Apologética: Primeiros conceitos

— por

n1. apologian.
n2. logon.

[8] Finalmente, sede todos de igual ânimo, compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos, humildes, [9] não pagando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo, pois para isto mesmo fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança. [10] Pois

quem quer amar a vida e ver dias felizes refreie a língua do mal e evite que os seus lábios falem dolosamente; [11] aparte-se do mal, pratique o que é bom, busque a paz e empenhe-se por alcançá-la. [12] Porque os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos às suas súplicas, mas o rosto do Senhor está contra aqueles que praticam males.

[13] Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom? [14] Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; [15]antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder (apologian) a todo aquele que vos pedir razão (logon) da esperança que há em vós,[16] fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, [17] porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal. 1Pedro 3.8-17.

Um texto freqüentemente citado nas discussões sobre apologética é 1Pedro 3.15. O apóstolo recomenda aos cristãos que santifiquem a Cristo em seus corações, preparando-se para fornecer uma apologia ou resposta a todos os que lhes pedirem uma palavra razoável sobre sua esperança.

1.1. O que é apologética

n3. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 257.
n4. CRAIG, William Lane. Fé, Razão e Necessidade da Apologética. In: BECKWITH, Francis J.; CRAIG, William Lane; MORELAND, J. P. (Ed.) Ensaios Apologéticos: Um Estudo Para uma Cosmovisão Cristã. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 21.
n5. McGRATH, Alister. Apologética Cristã no Século XXI: Ciência e Arte Com Integridade. São Paulo: Vida, 2008, p. 9.
n6. Ibid., loc cit.
n7. CRAIG, op. cit., loc. cit.

Apologética, de acordo com o Dicionário Houaiss, é a “defesa argumentativa de que a fé pode ser comprovada pela razão”,n3 ou, conforme Craig, “o ramo da teologia cristã que busca prover fundamentos racionais para as afirmações do cristianismo”.n4 McGrath compreende apologética como “uma apresentação de defesa de suas [da fé cristã] reivindicações de verdade e importância no grande mercado das idéias”.n5 O termo apologia tem o sentido de “discurso ou texto em que se defende, justifica ou elogia (esp. alguma doutrina, ação, obra etc.)” ou “defesa, justificação no Novo Testamento.” n6

A apologética é, primeiramente, uma ferramenta de resposta, mas não exclusivamente isso. “Ela contém elementos ofensivos e defensivos, apresenta de um lado, argumentos positivos para as verdades cristãs e, de outro, refuta objeções suscitadas contra essas mesmas verdades”.n7 Como veremos a seguir, seus recursos podem e devem ser utilizados para a abordagem evangelística e também para a doutrinação dos cristãos. Antes de prosseguir, porém, é preciso confrontar dois mitos.

1.1.1. Primeiro mito: A apologética é um empreendimento de teóricos destituídos de santidade

A apologética bíblica é espiritual e amorosa. Um erro comum é considerá-la como uma atividade de fundamentalistas pedantes, raivosos e destituídos da verdadeira espiritualidade. Observemos que as palavras de Pedro acomodam-se dentro de um chamado mais amplo à vida piedosa. Sem desconsiderar a oposição — os que podem “maltratar” (v. 13) e os “que falam contra vós” —, o tom da recomendação é cordial. Há referência à prática da unidade, compaixão, amizade fraterna, misericórdia e humildade (vv. 8-9).

O discípulo de Cristo defende sua crença sem caluniar, afasta-se do mal e empenha-se pela paz (vv. 10-11). Ele sabe que se encontra coram Deo, ou seja, “perante Deus” (v. 12). Enfim, o apologista, nos moldes da exortação petrina, é manso, temente a Deus e cultiva uma consciência limpa, preferindo sofrer a fim de manter o seu “bom procedimento em Cristo” (vv. 16-17).

n8. KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Epístolas de Pedro e Judas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 180-249.
n9. Op. cit., p. 186.

Pedro não entra em detalhes exaustivos sobre o conteúdo da apologia, mas focaliza em quem faz a apologia, o apologista. Este é um seguidor de Jesus Cristo que interage com outras pessoas dentro da moldura do sofrimento, sob os cuidados e para glória de Deus (Cf. 1Pe 3.13-4.19).n8 Nesses moldes, a apologética não é mera técnica discursiva, mas corolário de uma vida com Deus. Nas palavras de Kistemaker, “lutamos para ser modelos vivos do exemplo que Cristo deixou.” n9

1.1.2. Segundo mito: A apologética não tem utilidade para a evangelização

Plantar igrejas — realizar a tarefa evangelística — é oposto a pensar correta, teológica e apologeticamente? Observe os exemplos de Jesus Cristo, Paulo ou João. Eles foram grandes evangelistas, teólogos e apologistas. A frutificação evangelística e a eficiente reflexão e articulação filosófica e teológica não são, em hipótese alguma, excludentes (tabela 01).

Lidar com a Teologia e Filosofia Prática Bíblica da Missão Evangelizar

Tabela 01. O perigo dos extremos: A tensão desnecessária entre Teologia e Evangelização

n10. Grifos nossos.

O texto de 1Pedro 3.15 tem uma aplicação evangelística. Uma resposta deve ser dada a “todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós.”n10

Pedro referiu-se à apologética em um contexto muito concreto de testemunho, ou seja, possibilidade de martírio. Ele não estava simplesmente elucubrando filosoficamente, não estava tratando de meras teorias e sim de algo pulsante e necessário para a divulgação viva da Palavra de Deus. Nesses termos, a apologética é uma ferramenta do evangelho.

n11. McGRATH, op. cit., p. 10.

O objetivo principal da apologética cristã é criar um clima intelectual e imaginativo que conduza ao nascimento e ao cultivo da fé em toda a sua plenitude e riqueza. n11

n12. É sobre isso que os missiológicos e antropólogos tratam ao lidar com contextualização, inculturação e endoculturação.
n13. CRAIG, op. cit., p. 22.

A tarefa de plantar uma igreja entre ribeirinhos ou mesmo entre aborígenes não-alcançados na floresta amazônica exige capacitação apologética.n12 O cristão, seja qual for o seu campo de atuação, lida com pessoas de carne e osso que fazem perguntas significativas e precisa fornecer respostas biblicamente embasadas, ou seja, “o Espírito Santo pode utilizar tais argumentos e evidências como um meio para atrair pessoas a Ele.”n13

1.2. A apologética, a pré e a pós-evangelização

A apologética é um instrumento útil para o diálogo pré e pós-evangelístico. Na pré-evangelização, ela prepara o terreno para a apresentação das boas notícias acerca da pessoa e obra de Jesus Cristo. Na pós-evangelização ela fornece suporte para a confrontação entre a fé cristã e as outras ideologias e crenças, consolidando o discipulado.

1.2.1. A apologética na pré-evangelização

Pré-evangelização é toda iniciativa que precede a proclamação do evangelho. Pode ser considerada assim, portanto, a própria caminhada obediente da Igreja, como sociedade de contraste (Mt 5.14-16). O relato de Atos demonstra que a comunidade dos discípulos atraía naturalmente novos membros enquanto simplesmente vivia o evangelho (At 2.42-47). Isso não significa que a Igreja deva ser, antes da consumação, comunidade impecável, e sim, que ela precisa assumir, em seu cotidiano, a vivência da graça de Deus.

n14. LOHFINK, Gerhard. Como Jesus Queria as Comunidades: A Dimensão Social da Fé Cristã. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 201-202.

O que torna a Igreja sociedade divina de contraste, não é a santidade adquirida por própria força, não são esforços desesperados e obras morais, mas é a ação salvífica de Deus, que justifica os ímpios, acolhe os fracassados e reconcilia os que se tornaram culpados. Somente nesta reconciliação concedida e no milagre da vida reconquistada contra toda a esperança floresce aquilo que aqui é designado como sociedade de contraste.
O que se tem em mente não é uma Igreja em que não haja culpa, mas uma Igreja na qual da culpa perdoada cresce esperança infinita.
O que se tem em mente não é uma Igreja em que não haja divisões, mas uma Igreja que encontra reconciliação por cima de todos os abismos.
O que se tem em mente não é uma Igreja em que não haja mais conflitos, mas uma Igreja que resolve os conflitos de maneira diferente da sociedade restante.
O que se tem em mente, por fim, não é uma Igreja em que não haja mais cruz nem histórias de sofrimento, mas uma Igreja que constantemente pode festejar a Páscoa, porque ela morre, com Cristo, mas também ressuscita com ele.n14

n15. Op. cit., p. 14.
n16. HITCHENS, Christopher. Deus Não É Grande: Como A Religião Envenena Tudo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 161-178. Hitchens pretende — sem sucesso, em minha opinião — manchar a reputação de líderes cristãos (e.g., Martin Luther King). Além disso, ele propõe uma releitura de alguns eventos e ações benéficas à humanidade, tradicionalmente interpretadas como influenciadas pela fé cristã. Ele tenta desconectar tais eventos de suas origens cristãs, atribuindo-lhes uma influência meramente “humanitária”. Ressoa, porém, em todo o capítulo, uma nota sobre o fracasso dos cristãos em, de fato, comportarem-se melhor do que os não-cristãos.
n17. MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 35.
n18. GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: Respostas aos Críticos da Fé Cristã. São Paulo: Vida, 2002, p. 57.
n19. NASCIMENTO, Misael; SILVA, Ivonete. Discipulado Maduro e Reprodutivo: Módulo 3: Graça Irresistível e Perseverança dos Santos. Exemplar do Instrutor ou Discipulador. 3. ed. Brasília: Igreja Presbiteriana Central do Gama, 2008, p. 11. Publicado em formato PDF.
n20. CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. (III.2.7). São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 31. v. 3.

McGrath cita uma pesquisa conduzida entre estudantes que rejeitavam a fé cristã. As duas maiores causas de rejeição do Cristianismo entre os alunos entrevistados foram a hipocrisia e o exclusivismo dos cristãos.n15 Hitchens, polemista ateu, dedica um capítulo inteiro de um de seus livros para argumentar que o Cristianismo, necessariamente, não produz seres humanos melhores.n16 Hitchens pretende — sem sucesso, em minha opinião — manchar a reputação de líderes cristãos (e.g., Martin Luther King). Além disso, ele propõe uma releitura de alguns eventos e ações benéficas à humanidade, tradicionalmente interpretadas como influenciadas pela fé cristã. Ele desconecta tais eventos de suas origens religiosas, atribuindo-lhes uma influência meramente “humanitária”. Ressoa, porém, em todo o capítulo, uma nota sobre o fracasso dos cristãos em, de fato, comportarem-se melhor do que os não-cristãos.

Além da prática, outro aspecto fundamental da pré-evangelização é a fala ou discurso. É nesse campo que a apologética encontra seu lugar de atuação e frutificação.

1.2.1.1. Notitia, assensus e fiducia

A fé deve ser compreendida em termos de notitia, assensus e fiducia.n17 Enquanto notitia refere-se ao “entendimento do conteúdo da fé cristã”, e assensus tem a ver com a “sanção do intelecto à verdade de alguma proposição”, fiducia é a firme confiança em Cristo como Redentor e Senhor.

Geisler afirma que “as pessoas lidam com duas dimensões de fé: fé que e fé em. Fé que dá a evidência e base racional para a confiança necessária para estabelecer fé em. Quando a fé que é estabelecida, podemos depositar fé em alguma coisa”.n18 Na obra de salvação Deus regenera o eleito e o ajuda a compreender a verdade salvadora (notitia), a dar as costas ao seu pecado e a desejar a salvação (assensus). Neste ponto da obra divina, o eleito está pronto para responder a Deus com a fé salvadora (fiducia — figura 01).

Aqui o termo “fé” exige qualificação.

O Brasil é considerado um país de fé porque possui uma ampla diversidade religiosa: Catolicismo Romano, Espiritismo, Protestantismo, religiões afro-brasileiras e orientais, além do Islamismo e outras. A fé nesses contextos religiosos é entendida como confiar, ou acreditar em alguma coisa.n19

A fé salvadora é muito mais do que esse tipo de crença geral.

[A fé é] o firme e seguro conhecimento da divina benevolência para conosco, fundado sobre a veracidade da promessa graciosa feita em Cristo, [que] não só é revelado à nossa mente, mas é também selado em nosso coração mediante o Espírito Santo.n20

1.2.1.2. A Igreja é agente de promoção da notitia

A Igreja, seja qual for o método que utilize, não é capaz de produzir essa fé salvadora, cujo “autor e consumador” é o próprio Deus (Hb 12.2). Observe-se, porém, que os discípulos de Jesus plantam e regam a semente do evangelho e o Senhor, no tempo devido, produz o crescimento (1Co 3.6). Os cristãos são instrumentos de promoção da notitia que, por sua vez, possibilita ao não-regenerado acessar aos dados necessários da fé que.

O Novo Testamento demonstra uma tripla estrutura de fomento da notitia: vocação evangelística, estabelecimento de pontes dialogais e testemunho efetivo (tabela 02).

Vocação para o testemunho Ponte dialogal Testemunho efetivo

Tabela 02. A estrutura tripartida do fomento da notitia

A vocação é o chamado de todos os discípulos para o cumprimento da Missio Dei (Mt 28.18-20). Nesses termos, não há segmentação entre o povo de Deus. Toda a Igreja é designada para a proclamação das verdades referentes ao Criador, Sustentador e Redentor do cosmos (1Pe 2.9-10).

1.2.1.3. O que são e qual a importância das pontes dialogais

n21. Op. cit., p. 58.

A ponte dialogal é o centro de identificação entre aquele que testemunha e o não-regenerado. Cabe ao evangelista descobrir e explorar esta brecha que McGrath denomina “ponto de contato para o evangelho”,n21 sugestivamente comparada ao dispositivo que desbaratou as defesas dos cidadãos troianos:

n22. Ibid., loc. cit.

É um cavalo de Tróia que entra no campo da incredulidade antes de abrir as portas que dão acesso a todos os recursos do evangelho. O resto pode seguir, e seguirá, na esteira desse contato.
O restante da mensagem da cruz será experimentado futuramente pelo indivíduo. Ele a descobriu em parte; sua plenitude aos poucos se revelará a ele, naquele processo glorioso de exploração, típico do bom discipulado cristão.n22

n23. Alguns considerarão que, em tais situações, os inícios dos diálogos já podem ser considerados como parte integral dos testemunhos. Mesmo assim, tais falas devem ser interpretadas como proêmios aos conteúdos testemunhais.

O Senhor Jesus Cristo identificou pontes dialogais ao tratar com Nicodemus falando sobre o novo nascimento e, com a mulher samaritana, sobre uma água capaz de satisfazer sua alma vazia de relacionamentos significativos (Jo 3.1-8; 4.13-18). Observe-se que, em ambos os casos, até chegar a tais pontos dos diálogos, não houve testemunho efetivo.n23 As pontes dialogais foram recursos necessários à obtenção da atenção dos interlocutores.

O testemunho efetivo é a exposição da singularidade de Cristo e o chamado ao arrependimento e fé. O Nicodemus curioso e inseguro ouviu sobre a necessidade de crer no Redentor que seria crucificado (fé que, notitia e assensus — Jo 3.9-21). Após a crucificação, ei-lo junto de José de Arimatéia, tomando providências para o sepultamento de Jesus (fé em? Fiducia? — Jo 19.38-42). A mulher de Samaria viu-se diante do Cristo tanto esperado (fé que, notitia e assensus), creu e correu a divulgar a boa nova aos seus conterrâneos (fiducia — Jo 4.19-30).

n24. Op. cit., p. 21.

Esses casos combinam com a descrição de McGrath: “os pontos de contato não são, em si mesmos, meios adequados para atrair pessoas ao Reino de Deus; eles são pontos de partida para esse objetivo”.n24 Por outro lado, uma ponte dialogal é o espaço de articulação dos argumentos que tornam o testemunho desejável e, se isso é assim, uma das ferramentas para a construção e exposição inteligente de tais proposições — preparando o não-regenerado para a palavra do testemunho — é a apologética (tabela 03).

Ponte Dialogal Testemunho Efetivo
Atrair para o testemunho (apologética) Apresentar o evangelho (atrair para o Reino)

Tabela 03. As diferentes funções da ponte dialogal e o testemunho efetivo

1.2.1.4. A pontes dialogais são recursos lingüísticos e lógicos

Nos exemplos bíblicos acima, perceba-se ainda que a ponte dialogal — que pode ser construída pela apologética — é um recurso lingüístico. Jesus conversou com Nicodemus e a samaritana e, nós, hoje, podemos ler os relatos daqueles encontros. Veja ainda, que se trata de um expediente racional. O Senhor Jesus provocou seus interlocutores com proposições que faziam sentido, ou seja, possuíam sua própria lógica, o que possibilita afirmar que aquilo que corresponde à fé não é irracional, ou, como se diz, algo semelhante a um “salto no escuro.”

n25. SPROUL, R. C. Defendendo Sua Fé: Uma Introdução à Apologética. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2007, p. 20.

A Bíblia nunca nos diz para dar um salto na escuridão e esperar que exista alguém lá. Ela nos diz para saltarmos das trevas para a luz. Isso não é salto no escuro. A fé pela qual o Novo Testamento nos chama é a fé enraizada e solidificada em algo que Deus fez de forma clara.n25

Parece plausível afirmar que, na Escritura, a promoção da mensagem de salvação — a explicação sobre a pessoa e obra de Cristo e o chamado ao arrependimento e fé — e a apologética caminham juntas. Percebendo esse padrão no discurso do apóstolo Paulo na cidade de Atenas, Bruce conclui que:

n26. BRUCE, F. F. The Defense of The Gospel in the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1959, apud McGRATH, op. cit., p. 65.

O sermão do Areópago ilustra também a tendência do Novo Testamento de combinar o kerygma e a apologia como dois aspectos de um todo maior. A rígida sistematização da teologia, tão prejudicial à história cristã recente, conduz a uma separação radical entre a proclamação da mensagem do evangelho (kerygma) e sua defesa fundamentada na racionalidade (apologética). A teologia querigmática foi separada da apologética por motivos metodológicos; contudo, ambas são componentes essenciais da concepção neotestamentária da proclamação de Cristo.n26

1.2.1.5. A apologética e o diálogo com outras religiões vivas

n27. BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 566.
n28. Ibid., p. 568.
n29. Ibid., p. 569.
n30. Ibid., p. 569.Ibid., loc. cit., grifos do autor.

Bosch destaca que, a partir da década de 60, o cristão comum percebeu que tinha de responder a questões relacionadas não apenas aos adeptos de outras denominações cristãs, tais como os anglicanos e metodistas, mas, também, aos hindus, budistas e muçulmanos.n27 Ele afirma que estas outras religiões “estão experimentando uma revitalização”n28 e, muitas vezes, elas “estão envolvidas em um ‘evangelismo’ bem mais agressivo do que o das igrejas cristãs”.n29 Nós, cristãos, “chegamos a um ponto onde pode existir pouca dúvida de que os dois maiores problemas não-resolvidos para a igreja cristã são sua relação (1) com cosmovisões que oferecem salvação imanente e (2) com outras crenças.”n30

A apologética é útil a fim de, primeiramente, fornecer-nos um pacote de informações fundamentais sobre as crenças da religião daquele a quem queremos evangelizar. Ela nos ajuda ainda a organizar um roteiro de avaliação bíblica de tais crenças e sugere abordagens consistentes e com potencial de abalar ou mesmo desmontar as estruturas conceituais de uma religião não-cristã, bem como estabelecer uma base de consenso para o diálogo inicial — uma ponte dialogal.

1.2.1.6. Como ferramenta da pré-evangelização, a apologética lida com as necessidades espirituais reais dos não-regenerados

n31. BECKWITH; CRAIG; MORELAND, op. cit., p. 11.

Em suma: Os apologistas não lidam com questões distantes das reais necessidades espirituais dos não-cristãos. Eles usam a apologética a fim de aproveitar eficientemente as pontes dialogais disponíveis desejosos de, revestidos pelo poder do Espírito, testemunhar acerca do “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). Conforme Geisler, o uso correto da apologética “é uma questão de vida ou morte eterna […]. E se não formos tomados de paixão por esta causa, então não conseguiremos nos apaixonar por mais nada!”n31

1.2.2. A apologética na pós-evangelização

Pós-evangelização é toda iniciativa implementada após a conversão do eleito. Nesse contexto, a apologética tem sua aplicação no discipulado e na articulação da cosmovisão cristã.

1.2.2.1. A apologética e o discipulado

n32. NASCIMENTO; SILVA, op. cit., p. 2.
n33. Ibid., loc. cit.
n34. McGRATH, op. cit., p. 9.

A pós-evangelização é o que os cristãos denominam discipulado. “O termo discipulado é entendido, em muitos contextos, como os estudos iniciais da vida do cristão, normalmente como a preparação para o batismo e profissão de fé”.n32 Biblicamente, “considera-se como discipulado o processo de amadurecimento do servo de Deus, da conversão até a glorificação”.n33 A apologética confere “integridade e profundidade intelectuais à evangelização, assegurando assim que a fé permaneça arraigada na mente e no coração.”n34

n35. NASCIMENTO; SILVA, loc. cit.

Isso é assim porque a vida com Deus é aprendizado e aperfeiçoamento, todos os dias, para sempre. Na conversão, inicia-se a caminhada; várias décadas depois, ainda estamos sendo moldados graciosamente pelo Espírito que nos dispensa graça através da Palavra, dos sacramentos, da oração e do convívio com os irmãos. E, enquanto prosseguimos, amadurecemos e reproduzimos o discipulado em outras pessoas. Somos sal e luz, preservamos, damos sabor e iluminamos, amamos e servimos a Deus. Pertencemos a ele, fomos chamados para dar fruto (Mt 5.13-16; Jo 15.16).n35

O discipulado autêntico é cheio de nuances. Cada servo de Cristo responde à graça divina de maneira diferenciada. Alguns cristãos, especialmente em tempos de séria confrontação ou aridez espiritual, são particularmente ajudados pela apologética.

n36. CRAIG, op. cit., p. 22.

[…] o testemunho do Espírito Santo pode ser confirmado pelos argumentos apologéticos, fornecendo uma valiosa assistência em tempos de seca espiritual, quando o crente não está tão sensivelmente sintonizado com o Espírito ou está lidando com dúvidas interiores.n36

1.2.2.2. A apologética, a cosmovisão cristã em geral e a cosmovisão cosmonômica

A apologética organiza os dados da cosmovisão cristã. O termo cosmovisão pode ser compreendido de três formas: incluindo os não-regenerados, no âmbito cristão geral e no âmbito da filosofia da idéia cosmonômica (tabela 04).

n37. SIRE, James W. O Universo Ao Lado. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 21.
n38. MORELAND; CRAIG; op. cit., p. 29.
n39. SIRE, op. cit., p. 22-23.
n40. OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. A Relevância Transcendental do Deum Et Animam Scire no Pensamento de Herman Dooyeweerd. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 2004. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, p. 3.
n41. Dooyeweerd considera essa questão em sua Teoria dos Aspectos Modais. Cf. OLIVEIRA, op. cit., p. 85-95.
n42. OLIVEIRA, op. cit., p. 72-73.
n43. Ibid., p. 85-86; GEISLER, op. cit., p. 289; CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro. Sociedade, Justiça e Política de Cosmovisão Cristã: Uma Introdução ao Pensamento Social de Herman Dooyeweerd. In: CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro. (Org.). Cosmovisão Cristã e Transformação. Viçosa: Ultimato, 2006, p. 196.

Conceitos de Cosmovisão
Conceito Geral
  • Cosmovisão é “um conjunto de pressuposições (hipóteses que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a formação básica do nosso mundo.”n37
  • Cosmovisão é “o conjunto ordenado de proposições em que se acredita, especialmente proposições acerca das questões mais importantes da vida.”n38
Conceito Cristão Geral

Cosmovisão cristã é o conjunto de pressuposições, alicerçado nas Escrituras Sagradas do AT e NT, assumido pelos cristãos, e que responde às questões:

  1. Qual é a realidade primordial?
  2. Qual é a natureza da realidade externa?
  3. O que é um ser humano?
  4. O que acontece quando uma pessoa morre?
  5. Por que é possível conhecer alguma coisa?
  6. Como sabemos o que é certo e errado?
  7. Qual o significado da história humana?n39
Conceito no Âmbito da Filosofia da Idéia Cosmonômica Cosmovisão cristã é o conjunto de pressuposições sobre toda a realidade, assumido pelos cristãos, alicerçado nas Escrituras Sagradas do AT e NT, lidas sob a ótica cosmonômica.

Tabela 04. Diversos conceitos de cosmovisão

A cosmovisão cosmonômica é uma leitura da Escritura a partir do relato da criação, dentro de uma moldura conceitual denominada filosofia da idéia cosmonômica, proposta por Herman Dooyeweerd (1894 – 1977). De acordo com essa perspectiva, se a Bíblia refere-se a Deus como Rei (Sl 47.1-9), Gênesis 1.1-2-3 trata da criação dos diversos aspectos modais constituintes de seu reino.

Dooyeweerd entende que, ao criar, Deus estabelece uma “ordem estrutural cósmica de significado”.n40 Ele identifica na realidade criada quinze aspectos modais,n41 aos quais correspondem diferentes núcleos de significado (tabela 05):n42

Aspecto Modal Núcleo de Significado
Pístico Ligado à pistis, fé (certeza transcendental com relação à origem)n43
Ético Amor ao próximo (moral, ética)
Jurídico Retribuição (jurisprudência, direito, ciência política)
Estético Harmonia (teoria harmônica, artes, arquitetura)
Econômico Capacidade de gerenciamento (economia e administração)
Social Intercurso social (sociologia)
Lingüístico Significado simbólico (filologia, semântica)
Histórico Processo cultural (história do poder formativo, desenvolvimento da sociedade humana e antropologia cultural)
Analítico Distinção teórica (lógica)
Psíquico Sentimento ou sensação (psicologia empírica)
Biótico Vida orgânica (biologia, fisiologia e morfologia)
Físico Energia (física e química)
Cinemático Movimento (mecânica)
Espacial Extensão (matemática)
Aritmético Ou Numérico Quantidade discreta (matemática)

Tabela 05. Diversos conceitos de cosmovisão

Isso confere a toda a criação uma “raiz religiosa central” e cada aspecto da realidade temporal criada “é significado”. Oliveira explica o que isso representa, no pensamento de Dooyeweerd:

n44. Ibid., p. 74.

Ao se dizer que algo tem significado, ainda é conferido a esse algo uma certa dose de independência e autonomia em relação à sua Origem […]. Contudo, quando se afirma que as coisas criadas são significado, se está claramente apontando para o fato de que a diversidade criada pertence a uma estrutura abrangente de interdependência mútua formando uma totalidade de significado. Esta totalidade de significado ou unidade de significado, por sua vez, aponta para a sua Origem, aquele que lhe conferiu significado e a partir de quem esta totalidade criada deriva seu sentido. Embora todas as coisas sejam entes de significado e este significado seja irredutível, este significado particular não é suficiente em si mesmo; cada aspecto da criação aponta para outro, para além de si e, por último, para aquele que o criou.n44

n45. VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. v. 1, p. 51.
n46. OLIVEIRA, op. cit., loc. cit., complementa dizendo que por isso a proposta de Dooyeweerd foi batizada de Wijsbegeerte der Wetsidee ou filosofia da idéia de lei, ou filosofia da idéia cosmonômica.
n47. Ibid., p. 89.
n48. 48 Ibid., p. 93.
n49. 49 Ibid., loc. cit.
n50. CARVALHO, op. cit., loc. cit.
n51. OLIVEIRA, op. cit., p. 95. KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 98, refere-se à família, os negócios, a ciência e a arte. O Estado não foi criado por Deus, mas instituído por causa do pecado. A esfera do Estado, que deve ser respeitada, funciona com o objetivo de assegurar que cada esfera da criação funcione livremente e de acordo com a vontade divina (KUYPER, op. cit., p. 85-115). Cf. GEISLER, op. cit., p. 288, Dooyeweerd seguiu a tradição de Kuyper ao mesmo tempo em que foi além de seu antecessor.
n52. Ibid., p. 96.
n53. CARVALHO, op. cit., p. 197.
n54. Op. cit., p. 30.

Na criação “as funções de cada aspecto […] foram prescritas por Deus e cada função estava em harmonia com as funções dos outros aspectos. Deus organizou o cosmos que ele criou e o fez refletir sua pessoa como um Deus de ordem”.n45 Por isso cada um dos aspectos modais opera segundo um nomos, lei ou “ordem estruturada […] que reflete a vontade soberana e pessoal de Deus quando criou”.n46 A ordem normativa presente em todas as coisas concretas é denominada estrutura de individualidade. Assim, sendo, “a unidade concreta é constituída por estruturas de individualidade (leis estruturais que unificam unidades concretas) que, por sua vez, estão fundadas nos aspectos modais da realidade temporal (leis estruturais modais).”n47

Dooyeweerd refere-se ainda à possibilidade de abertura dos aspectos modais. Um aspecto modal está fechado quando “só exibe relações que apontam para os aspectos anteriores da realidade” e aberto quando há conexão com os “aspectos posteriores da realidade”. Um exemplo de abertura modal é fornecido por Oliveira: “[…] a expressão ‘sentimento de justiça’ não se refere ao aspecto jurídico em si, mas sim a uma antecipação do núcleo de significado do aspecto jurídico no aspecto sensitivo”.n48 Daí a conclusão: “nenhum aspecto é autônomo no sentido de não depender dos demais.”n49

[…] cada esfera “espelharia” em si mesma a totalidade do sentido cósmico, espelhamento este que pode ser descrito por analogias antecipatórias e retrocipatórias, nas quais um sentido semelhante ao núcleo de sentido de cada uma das esferas modais é identificado no interior da esfera modal em consideração.n50

Cada aspecto possui ainda sua própria esfera de soberania. Oliveira esclarece que Dooyeweerd tomou emprestada a expressão “esferas de soberania” de Abraham Kuyper, que a utilizava para designar “os limites estruturais de cada instituição social criada por Deus contra as ingerências de outras instituições”.n51 Dooyeweerd vai além de Kuyper, afirmando que o princípio das esferas de soberania “envolve as estruturas sociais, as estruturas de individualidade e até mesmo as esferas modais”.n52 Para Carvalho, o reconhecimento destas esferas “funciona como um modelo heurístico, para orientar o diálogo interdisciplinar e estimular a unificação do conhecimento, a partir da cosmovisão bíblica.”n53

A interpretação da criação nesses termos fornece subsídios para uma cosmovisão abrangente. Van Groningen argumenta que a perspectiva pactual sustenta “uma visão do mundo que inclui a totalidade do cosmos, isto é todos os seus aspectos integrais”. O escopo da visão cristã não se limita, portanto, à redenção, mas “deve ser tão extensa e intensa quanto o próprio cosmos”.n54 Em suma, as Escrituras apresentam ao leitor o mundo de Deus. Não há qualquer noção de soberania paralela. Deus reina sobre tudo.

Se tanto a possibilidade de abertura quanto a soberania de cada esfera de fato refletem uma ordem divina da criação, não é absurdo afirmar que a apologética, pertencente à esfera modal pística, cujo núcleo de significado é a certeza transcendental com relação à origem, é antecipada pelas esferas modais psíquica, analítica, histórica, lingüística, social, estética, jurídica e ética. Isso equivale a dizer que a apologética, além de possuir legitimidade a partir da criação funciona dialogando com outros magistérios sob e para a glória de Deus. Ela organiza os dados da cosmovisão cosmonômica e os apresenta, de forma atrativa e consistente, tanto aos “de fora” quanto ao próprio corpo de discípulos de Cristo (figura 01).

Apologética e Cosmovisão

Figura 01. A apologética articula e apresenta a cosmovisão cristã cosmonômica

1.3. Os agentes da apologética

Quem deve se incumbir da apologética? A partir de 1Pedro 3.15, é possível afirmar que todos os cristãos devem envolver-se na tarefa. Ao contrário dos primeiros versículos do quinto capítulo desta epístola, dirigidos exclusivamente aos presbíteros da Igreja, a admoestação do terceiro capítulo dirige-se a todos os discípulos de Cristo. Na verdade, não é um despropósito hermenêutico considerar 1Pedro 3.15 como uma espécie de corolário prático de 1Pedro 2.9. Essa interpretação concede à apologética o status de método divinamente estabelecido para a Igreja “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus”, proclamar “as virtudes daquele que” a “chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Percebamos o agente: a Igreja.

n55. Op. cit., p. 14.

Em suma, a proclamação e o testemunho da Igreja são, em si mesmos, apologia (Cf. Jo 13.35; At 2.42-47). McGrath refere-se a uma pesquisa realizada entre estudantes há cerca de duas décadas. Quando perguntada por que não aceitava o Cristianismo, a maioria dos pesquisados apontou dois motivos: “os cristãos são hipócritas” e “os cristãos são muito exclusivistas”,n55 ou seja, o povo de Deus se esquece com facilidade de sua identidade e da finalidade de sua vocação. Sem dúvida, a consistência entre o discurso e a prática cristã (santidade prática) é fundamental para dar credibilidade aos cristãos na proclamação do evangelho.

O testemunho cristão dúbio, porém, não é o único problema a ser considerado. Parte da dificuldade da Igreja em assumir sua tarefa apologética decorre da ausência de treinamento específico nessa área. O discipulado implica em multiplicação. No discipulado não apenas as ferramentas apologéticas são utilizadas para consolidar a fé do cristão, mas também são a ele repassadas com as devidas instruções de uso. O discípulo torna-se, assim, discipulador — e discipulador apologeticamente capacitado.

Considerando-se a apologética um instrumento de articulação da cosmovisão, exige-se que o discipulado empreenda a formação em cosmovisão, seguida da formação em apologética (tabela 06).

Discipulado Maduro e Reprodutivo
Primeira Fase Segunda Fase Terceira Fase
Catecumenato Capacitação em Cosmovisão Formação Apologética

Tabela 06. Formação em apologética na Igreja

n56. Sou devedor ao Dr. Mauro Fernando Meister, pelo uso desta expressão. O Dr. Meister falou de “conversão da cosmovisão” em um Workshop do Congresso da Associação Internacional de Escolas Cristãs, realizado em São Paulo, em 02 de maio de 2008.
n57. McGRATH, op. cit., p. 19-65.

Na primeira fase do discipulado o regenerado é apresentado às doutrinas básicas que o tornam apto ao batismo e profissão de fé. Na segunda fase, depois de convertido seu coração, deve ser convertida sua cosmovisão.n56 Mais ainda: ele precisa saber ler e interpretar cosmovisões, a fim de detectar espaços que possibilitem a construção de pontes dialogais com os não-crentes.n57 Por fim, na terceira fase do discipulado, ele recebe instrução apologética, o que equivale a ser treinado para construir as referidas pontes. No poder do Espírito Santo, ele dará um testemunho inteligente da fé, cumprindo a missão estabelecida pelo Redentor (Mt 28.18-20).

1.4. O principal responsável pelo ensino da apologética

O principal responsável pelo ensino da apologética é o pastor.

n58. katartizo, fornecer treinamento, equipar.

[11] E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, [12] com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, [13] até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, [14] para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. [15] Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, [16] de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor. Efésios 4.11-16, grifos nossos.

Pastores são presentes de Jesus Cristo, dados à Igreja a fim de equipar os santos para o ministério, tornando-os maduros e reprodutivos. O resultado do serviço pastoral eficaz é o corpo nutrido, pacificado e integrado, crescendo orgânica e numericamente. O ministro da Palavra é o responsável por descortinar aos discípulos os tesouros da Escritura, fortalecendo-os e ajudando-os a articular cosmovisão e apologia.

Como a apologética utiliza dados da Escritura, da Teologia, da Filosofia, da História e de outras ciências, exige-se dos pastores e líderes preparação específica e excelente. Acerca disso, John Wesley questionou com propriedade:

n59. WESLEY, John. Sermão Para o Clero. Proferido em 6 de fevereiro de 1756. Reimp. The Works of John Wesley. 3. ed. Grand Rapids: Baker, 1996, 7 v., v. 6, apud MORELAND; CRAIG, op. cit., p. 27.

Não deveria um ministro ter, primeiramente, uma boa compreensão, uma apreensão clara, um julgamento sadio e uma capacidade de argumentar com um pouco de competência? […]
Não seria determinado conhecimento (a metafísica) chamado de a segunda parte da lógica, se não tão necessário como [a própria lógica], ainda assim altamente apropriado?
Não deveria um ministro se familiarizar ao menos com os fundamentos gerais da filosofia natural?n59

Não se afirma aqui que todo pastor deve ser, necessariamente, um perito em Filosofia. É perfeitamente possível servir a Deus passando ao largo das questões apologéticas, identificando-as com as “coisas encobertas” do Senhor (Dt 29.29). O problema é que tal abordagem não apenas desonra ao Criador que nos deu inteligência, mas também empobrece a noção que nosso interlocutor terá do Cristianismo — a fé cristã será considerada como crença meramente subjetiva, destinada a um pavimento da existência separado da vida real ou racional (figura 02).

Resultados da falta de capacitação apologética

Figura 02. O que acontece quando não há capacitação apologética: A realidade em dois pavimentos

Resumo do capítulo

  • A prática da apologética pode ser depreendida de 1Pedro 3.15.
  • Apologética é a defesa argumentativa de que a fé pode ser comprovada pela razão
  • Apologia é o discurso ou texto em que se defende, justifica ou elogia alguma doutrina, ação, obra etc. No Novo Testamento o termo tem o sentido de defesa, justificação.
  • A apologética é realizada com amor, ainda que não se abra mão da verdade do evangelho.
  • A apologética é uma tarefa que contribui para a pré e pós-evangelização. Ela organiza os dados da cosmovisão cosmonômica.
  • A tarefa apologética é de toda a Igreja.
  • O principal responsável pela capacitação apologética é o pastor.

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Referências bibliográficas

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Respostas

  1. Avatar de Gaspar de Souza
    Gaspar de Souza

    Caro Misael, tomei a liberdade e converter copiar o teu artigo acima e colocá-lo no Word e convertê-lo em PDF, pois o link de tua página não tem o artigo ou está quebrado.

    Caso o irmão autorize, posso dispor o texto na internet. O arquivo contém o teu escrito, o endereço eletrônico e a data da criação do PDF. Não tem o meu nome.

    No aguardo,

    Em Cristo Jesus,

    Rev. Gaspar de Souza

  2. Avatar de Jairo
    Jairo

    A Paz, o irmão poderia me ajudar me passando algo sobre a queda(cosmovisao) sobre os hinduismo?
    Grato..abçs

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