Comecei a leitura de Calvinismo Recalcitrante, livro recentemente publicado por João Flávio Martinez, querido irmão, colega de ministério e Diretor do Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP). Martinez é um estudioso sincero das Sagradas Escrituras e contribui significativamente para o esclarecimento dos cristãos sobre seitas e heresias de nosso tempo.
Fui apresentado a esse autor em uma reunião do Conselho de Pastores de São José do Rio Preto, em 2011. Desde então, cultivamos uma relação fraterna e respeitosa. Martinez e os alunos do CACP participaram das primeiras três edições do Encontro da Fé Reformada em São José do Rio Preto, de 2011 a 2013. Em cada uma das edições, ele tem me dito que tal evento é uma bênção para as igrejas e pastores de nossa cidade e região.
Digo isso para que se entenda que não escrevo para contender com o Pr. Martinez. Oro para que o tom de meus textos sobre Calvinismo Recalcitrante seja cristão e pastoral. Meu objetivo principal é esclarecer e firmar posição consistente com as Sagradas Escrituras, sob a iluminação do Espírito Santo, no amor de Jesus Cristo, para glória de Deus Pai e edificação da Igreja Cristã. Faço isso pensando não na pessoa de Martinez, nem nos que, como ele, rejeitam o Calvinismo (o Calvinismo nunca foi abraçado por todos). Minha preocupação é com os cristãos verdadeiramente calvinistas e reformados, pois Martinez argumenta com convicção. Ele sequer define o Calvinismo como sistema teológico viável. Para ele o Calvinismo sequer deve ser considerado uma leitura possível da Bíblia. Pelo contrário, Calvinismo Recalcitrante inicia, prossegue e finaliza golpeando duramente Agostinho, João Calvino e os Cinco Pontos do Calvinismo. No fim, o leitor vê-se diante de uma única conclusão. Para ser fiel às Escrituras é necessário rejeitar o Calvinismo.
Algumas ponderações da obra de Martinez são dignas de atenção. Nós, calvinistas e reformados, precisamos atentar para determinadas afirmações e posicionamentos que, com acerto, Martinez julga inconsistentes com o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Por outro lado, Martinez sobrecarrega e confunde o leitor com citações não confiáveis, é parcial na exposição de dados de sua pesquisa e deixa a desejar na interpretação de algumas passagens bíblicas por ele mencionadas. Sua obra impressiona pela contundência da argumentação, mas não pode ser considerado um estudo verdadeiramente profundo e consistente do Calvinismo.
O autor inicia afirmando que leu “‘As Institutas’ e outros onze livros de comentários bíblicos escritos por João Calvino” (p. 9). Ele prossegue:
Também pesquisei muitos outros de Teologia Sistemática e História da Igreja, além do conhecimento que agrego devido a minha formação — sou bacharel em História e Geografia. Nossa biblioteca tem mais de seis mil livros e muitos dos compêndios teológicos são escritos por calvinistas célebres como Berkhof, Hodge e Spurgeon, além do mais famoso em apologética calvinista, do autor Turretini. Digo isso apenas para explicar que sei bem do que estou discordando (loc. cit.).
O problema é que, como explicarei nesta série de artigos, algumas afirmações de Martinez não correspondem ao Calvinismo. Como veremos, em determinadas partes de sua obra ele ataca não o Calvinismo, mas sim uma caricatura do Calvinismo. Isso significa que não basta ter acesso à literatura calvinista. As Institutas, por exemplo, exigem mais de uma leitura, apenas para que nos adaptemos à fraseologia de Calvino. E o Compêndio de Teologia Apologética de Turretini, obra clássica do escolasticismo protestante, é ainda mais difícil de compreender que as Institutas de Calvino. Ademais, mesmo dizendo que leu todas estas obras de Calvino e do Calvinismo, a citação das mesmas é econômica. Martinez cita abundantemente detratores do Calvinismo, sem mencionar suficientemente os escritos do próprio Calvino e dos reformados posteriores.
O autor considera “audacioso” (loc. cit.) e jactancioso (p. 10) considerar o Calvinismo equivalente ao “evangelho”. Daí sugere fontes para pesquisa adicional (p. 10-11) e admite “defender uma Soteriologia que é encontrada anterior ao bispo de Hipona, Santo Agostinho” (p. 11). Daí, assume, como “ortodoxas”, seis declarações do “Sínodo de Arles (353 d.C.)” (loc. cit.). Ele diz ainda que seu livro “tem por objetivo trazer ao público cristão uma visão mais dialética, ou seja, mostrar todos os lados da questão envolvendo a temática”.
Ocorre, porém, que Martinez termina por “tentar” demolir o Calvinismo, mostrando-o como antibíblico e, por conseguinte, herético. Suas fontes para pesquisa adicional são úteis, mas parciais. Melhor do que buscar a soteriologia do Sínodo de Arles, é expor a Soteriologia da Bíblia. Calvinismo Recalcitrante, a partir de seu título, não fornece uma visão dialética. Trata-se, ao invés disso, de um ataque — nem sempre sereno ou bem ponderado — ao Calvinismo.
Nas próximas semanas, caminharemos pelos capítulos de Calvinismo Recalcitrante, analisando cada argumento de Martinez. “Julgaremos” esta obra “retendo o que é bom” e, ao mesmo tempo, abstendo-nos de “toda forma de mal” (1Ts 5.21-22).
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