Recentemente dialoguei pela Internet com uma evangélica que acredita que Deus fala hoje através de [novas] revelações. Expliquei-lhe que, como reformado não acredito em “novas” revelações, ou seja, entendo que o período das revelações cessou após o fechamento do cânon bíblico. Minhas palavras foram recebidas quase como uma blasfêmia e, a partir de então, fui duramente confrontado.
Minha interlocutora afirmou que eu, como criatura, estava tentando contender com o Criador. Citou ainda a frase bíblica “agindo ele [Deus], quem o impedirá?” (Is 43.3) e, a partir daí, argumentou que “nada é impossível para Deus” (Mt 19.26). Em seguida, utilizou a doutrina da imutabilidade divina para rejeitar o meu ponto de vista. Disse: “Não aceito a idéia de que, por causa da finalização do Novo Testamento, Deus deixou de falar por meio de revelações. Creio que Deus fala, revela sim, pois ele não mudou e nem mudará”. Por fim, esclareceu que minha recusa em aceitar novas revelações demonstrava falta de fé: “Acho que tudo é conforme a nossa fé, e ‘sem fé é impossível agradar a Deus’ (Hb 11.6). Nós é que passamos a ser cada vez mais incrédulos a cada dia”.
As palavras da referida irmã são consistentes com o ponto de vista predominante na cultura evangelical. Perceba a estrutura do argumento:
- Deus continua falando através de novas revelações.
- A doutrina abraçada pelos cristãos reformados — que ensina a cessação das novas revelações — não pode ser aceita. Se Deus é onipotente e soberano, ele pode fazer o que quiser, com quem quiser e quando quiser. Se Deus é imutável, é errado dizer que Deus não faz hoje o que ele fez no passado.
- O que impede a manifestação das novas revelações é a incredulidade. Os cristãos pentecostais e neopentecostais, que acreditam na ação contemporânea do “sobrenatural”, recebem novas revelações regularmente.
Eis minha resposta: Primeiro, apesar de ser onipotente e soberano, Deus não pode fazer qualquer coisa. Em Deus há perfeita sincronia entre a natureza e ação. Ele jamais é inconsistente consigo mesmo. Por exemplo, por ser santo, Deus não pode pecar (posse non pecare); por ser fiel e infinitamente sábio, ele não pode se contradizer. Ademais, sua imutabilidade não exige que ele seja repetitivo. A ação divina na história é dinâmica. Alguns milagres registrados na Bíblia foram únicos, serviram a finalidades específicas e nunca ocorreram novamente.
Em segundo lugar, quando o cristão reformado diz que não há mais revelações, ele não está afirmando que Deus não fala hoje. A exposição fiel da Bíblia é, em um sentido muito real, voz de Deus (Vox Dei). O Senhor fala ainda através da providência (os fatos do cotidiano) e de outras pessoas (a comunhão dos santos). Especialmente, Deus Espírito Santo testifica em nossos corações que somos filhos de Deus, ilumina-nos para compreendermos sua Palavra, consola-nos, guia-nos e nos fortalece interiormente. Deus é vivo e o Cristianismo é, de fato, vida com Deus, em fé, diariamente.
Afirmo a continuidade da comunicação divina, apenas nego que esta deva ser chamada de “revelação”, pois tal termo só é corretamente aplicável aos conteúdos inerrantes, infalíveis e suficientes das Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Para o cristão reformado o ápice da revelação é Cristo, e nada mais é necessário para a salvação, pacificação da alma, nutrição, consolo, santificação e capacitação da Igreja, além da revelação sobre o Redentor disponível na Bíblia, única regra de fé e de prática.
Por fim, vivo na dependência do Senhor, em oração e desfrute da Palavra. Sou convicto de que Deus é soberano, onipotente e imutável e prossegue caminhando com o Altíssimo, cheio do Espírito Santo. Só que faço isso sem esperar que haja acréscimo ao conjunto de revelações autorizadas. Prossigo afirmando “Somente a Escritura” (Sola Scriptura) enquanto evangelizo e lutro contra o pecado, como discípulo de Cristo. Em suma, apesar de não acreditar em “novas” revelações, sou um crente!
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