Os dons espirituais: Um denominador comum
Rev. Misael Batista do Nascimento, D.Min. | 13/06/2013
Este artigo contém um breve esboço do entendimento histórico dos dons espirituais — um relato sucinto do modo como os dons foram entendidos pela igreja cristã.
A experiência da igreja com os dons decorre da ressurreição e exaltação de Cristo. Daí as palavras do apóstolo: “Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens” (Ef 4.8; cf. At 2.33).
1 Os dons espirituais como motivo de controvérsia
Poucos assuntos contribuem tanto para a divisão de igrejas, e isso desde o 2º século da era cristã. Como diz um estudioso, “pelo menos a partir de Montano, talvez a partir de Corinto, os dons do Espírito têm parecido ser mais fonte de embaraço do que de encorajamento para a igreja cristã”.[1] O fato é que, perdoando o trocadilho, os crentes parecem falar “línguas estranhas” (sem intérprete para auxiliá-los) ao tocar na doutrina dos dons espirituais.
Duas pessoas ouvindo o mesmo ensino sobre os dons podem concordar ou discordar absolutamente do que é ensinado. Você já deve ter ouvido os seguintes argumentos:
- Todos os dons espirituais são para hoje; afirmar que um ou mais deles cessou e outros continuam vigentes é ilógico e contrário à Bíblia.
- Deus continua falando por meio de novas revelações proféticas.
- A palavra do autor de Eclesiastes, “porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza” (Ec 1.18) significa que o estudo sufoca o fervor. A expressão “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2Co 3.6) quer dizer que teologia e doutrina não são importantes. Por fim, ao afirmar que “o saber ensoberbece, mas o amor edifica” (1Co 8.1), Paulo ensina que a busca de conhecimento é contrária ao amor. Em suma, a verdadeira obra do Espírito não exige o uso da razão, muito menos o estudo bíblico e teológico formal.
- Em quarto e último lugar, a igreja organizada segue mais aos homens do que ao Espírito; por isso é necessário deixar de lado a liderança institucional e submeter-se só ao governo de Deus.
Tais argumentos não são atuais ou criativos. Eles foram sugeridos pelos montanistas do 2º século, pelos místicos da Idade Média, pelos reformadores radicais e entusiastas do século 16, por místicos do movimento de santidade (holiness) e semipelagianos (arminianos), a partir do século 19. Tais colocações foram devidamente rechaçadas pela igreja antiga e os pais reformadores (os líderes da Reforma do 16º século e os teólogos que escreveram os símbolos de fé Westminster, no século 17), e continuam sendo combatidas pela igreja bíblica de hoje.
2 Figuras típicas no ensino sobre os dons espirituais
No estudo sobre os dons espirituais nós nos defrontamos com três figuras típicas: o desinformado, o prepotente e o equilibrista.
O desinformado é o crente que ainda não entende bem o ensino da Bíblia sobre os dons. Ele lida com o assunto sem má intenção; apenas necessita de mais estudo. Normalmente, após obter as informações pertinentes, ele assume uma posição bíblica sobre a questão.
O prepotente defende sua posição apaixonadamente, mas sem amor. Somente ele está certo. Ele briga para forçar os outros a aceitar seu ponto de vista. Imaginemos dois prepotentes estudando sobre o dom de línguas de 1Coríntios 12—14. O primeiro diria:
— Cale-se! 1Coríntios 12—14 menciona a língua dos anjos!
A resposta do segundo seria a seguinte:
— Você é ridículo… É claro que são idiomas humanos.
Precisamos tratar do ensino sobre os dons espirituais dentro dos limites seguros da ortodoxia, mas jamais com petulância ou desrespeito. É necessário responder com amor a todos os que questionam os motivos de nossa fé (1Pe 3.15-16).
O equilibrista é uma espécie de “monge pacifista” evangélico. A tônica de sua postura é manter a paz. Como pacificador, ele nunca toma posição. Ele diz: “nós temos que nos unir” — apregoando uma união despreocupada com a verdade. A Bíblia, porém, diz que a unidade dos crentes deve ser sempre em torno da verdade (Ef 4.15-16). Quando algo contraria a verdade divina, o cristão deve discordar, sob pena de assumir uma unidade disforme e sem substância.
A honestidade dos equilibristas é questionável. Ele pode inconscientemente assumir: “quero ficar bem com todos; em boca fechada não entra mosca”. É possível que seu discurso esconda motivações políticas — a intenção antibíblica de ser simpático a todos.
3 A possibilidade e necessidade de clareza bíblica sobre os dons
A clareza acerca do ensino bíblico sobre os dons espirituais é possível. A Bíblia exige isso. Lembremo-nos de que estamos estudando os dons do Espírito Santo, e Jesus, ao referir-se ao ministério do Espírito, afirma o seguinte: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade […]” (Jo 16.13). O Redentor menciona a obra do Espírito iluminando a redenção. Como vimos, a concessão de dons aos homens é uma coroação desta obra (Ef 4.8). Dito de outro modo, a doutrina dos dons espirituais tem relação com a doutrina da salvação. Por isso, assim como a luz do Espírito nos ajuda a enxergar a Cristo, também nos ajuda a prosseguir no serviço de Cristo com a compreensão e prática correta dos dons.
Em outro lugar, lemos que Deus concede dons ligados a sabedoria e conhecimento: “Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento” (1Co 12.8). Aqui enxergamos o Espírito capacitando sua igreja para o entendimento e ensino das coisas divinas. O Espírito Santo é muito ligado ao ensino porque ele é ligado à missão. A missão é fazer discípulos e a estratégia para o seu cumprimento é ensinar (Mt 28.19-20). Por isso Jesus disse: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8). Os discípulos são capazes de cumprir a missão — que é de testemunho e ensino — porque o Espírito concede sabedoria e conhecimento.
Além disso, Efésios 2.20 nos informa que a igreja é edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. Esta igreja é firmada sobre revelação infalível. Deus não a deixou cega, mas deu-lhe a Sagrada Escritura. Por meio da Bíblia nós temos direção e orientação segura em todos os assuntos de nossa vida prática. Esta fundamentação na doutrina dos apóstolos e profetas é suficiente para nos ajudar na compreensão dos dons. A igreja é uma família espiritualmente unida e edificada em Cristo e na verdade.
O NT prossegue afirmando que, como habitação do Espírito, nós somos ungidos: “E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento” (1Jo 2.20). Nós recebemos subsídios espirituais para compreender as verdades de Deus. A igreja é composta de ungidos (At 2.16-21). Os regenerados e convertidos experimentam o cumprimento da promessa do pacto: “Todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor” (Jr 31.34). Trocando em miúdos, cumpre-se em nós a promessa da nova aliança. Fomos feitos cristãos conhecedores.
Por fim, o apóstolo deixou instrução para esclarecer e não confundir: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12.1). Paulo trata dos dons espirituais nos capítulos 12—14 de 1Coríntios. No capítulo 12 ele destaca sua origem e utilidade no contexto do corpo. No capítulo 13 ele fala sobre o amor como dom supremo. No capítulo 14 ele orienta como os dons devem ser praticados especialmente nas reuniões de adoração da igreja. Quanto a tais assuntos, Deus não quer que sejamos ignorantes; ele quer que os conheçamos e compreendamos.
Satanás produz uma cortina de fumaça na vida da igreja tornando os crentes confusos, ou instigando-os a brigar entre si. Ainda há a questão dos crentes que sentem medo ao tratar dos dons espirituais, porque já viram muita loucura e divisão implementadas em nome de pretensos “reavivamentos”, “renovações” ou coisa semelhante. Notemos, no entanto, todos os textos da Palavra de Deus que terminamos de ler. Todos eles sugerem que o ensino sobre o ministério do Espírito pode e deve ser conhecido — e Deus não apenas deseja que conheçamos isso nebulosamente, mas claramente e de modo a produzir resultado edificante.
Estranhamente, nós não chegamos a um entendimento claro e compartilhado dos dons espirituais. Para tirar a prova, peça a diferentes pastores de uma mesma denominação explicações sobre a doutrina dos dons espirituais. Se você consultar dez pastores, provavelmente ouvirá dez “doutrinas” diferentes (figura 1).
Não há consenso e isso é ruim. Os crentes começam a pensar que determinada posição dependente do pastor. “O pastor fulano não concorda com este dom; já o pastor beltrano concorda”. Começamos a achar que o ensino sobre os dons depende do humor e do pastor. O fato é que um sólido ensino sobre os dons espirituais é fornecido pela Palavra de Deus. Não se trata de capricho ou opinião pastoral, mas fidelidade à sã doutrina.
4 As duas possibilidades históricas de entendimento dos dons espirituais
Se olharmos para tudo o que foi dito e escrito sobre os dons espirituais ao longo da história, em um primeiro momento ficaremos confusos. Depois de uma verificação mais atenta, notaremos que tudo o que foi dito e escrito pode ser organizado em duas posições ou categorias (figura 2).
Ao longo de sua caminhada, a igreja assumiu apenas duas posições sobre os dons espirituais. O primeiro ponto de vista é heterodoxo, ou seja, não corresponde ao ensino fiel da Bíblia. O segundo é o ortodoxo, submisso à sadia interpretação das Sagradas Escrituras.
4.1 Heresias do montanismo do 2º século
Desde cedo a igreja teve de administrar dois movimentos aparentemente opostos, de organização e revitalização. O primeiro enfatiza a estruturação ou ordem da igreja; o segundo, sua vitalidade espiritual. No NT as duas coisas se combinam; na história da igreja, nem tanto. Esta última testemunha “o protesto perene suscitado dentro da igreja quando se aumenta a força da instituição e se diminui a dependência do Espírito de Deus”.[2] O problema é que nem sempre a busca por revitalização condiz com uma doutrina sadia e o descarte da doutrina conduz a desvios heterodoxos. Um dos primeiros registros da posição heterodoxa é o movimento do 2º século denominado montanismo.
Diz-se que em Mísia da Frígia existe uma aldeia chamada Ardaban. Ali foi, dizem, que um recém-convertido à fé, chamado Montano, pela primeira vez, em tempos de Grato, procônsul da Ásia, saindo contra o inimigo com a paixão desmedida de sua alma ambiciosa de proeminência, ficou à mercê do espírito e de repente entrou em arrebatamento convulsivo como se possesso e em falso êxtase, e começou a falar e proferir palavras estranhas, profetizando desde aquele momento contra o costume recebido pela tradição e por sucessão desde a igreja primitiva.[3]
Montano juntou-se a duas profetisas, Priscila e Maximila e estabeleceu uma seita legalista.[4] Sua pregação da proximidade da volta de Cristo e do estabelecimento da Nova Jerusalém em Pepuza (cidade da Frígia) atraiu muitos adeptos, dentre eles, o Teólogo Tertuliano.[5] O montanismo foi considerado herético em 381, pelo Concílio de Constantinopla.[6]
4.2 O monasticismo e o registro do declínio de alguns dons no 4º século
A efusão de profecias e dons do 2º século declinou. O movimento dos Pais do Deserto, iniciado com Santo Antão, no 4º século, deu origem ao monasticismo.[7] Esta proposta de vida cristã, inicialmente solitária e, depois, comunal, desenvolveu-se sob uma determinada compreensão da igreja e do ministério do Espírito Santo. Este operava no contexto da “simplicidade de vida, trabalho, devoção e obediência”.[8] Também neste século foi escrito o primeiro Tratado Sobre o Espírito Santo, por Basílio de Cesareia,[9] focalizando o lugar e papel do Espírito Santo na oração e adoração trinitárias, sem qualquer menção aos dons espirituais.
Em suas homilias sobre 1Coríntios 12, João Crisóstomo afirmou que alguns detalhes do texto de Paulo pareciam obscuros porque nem todos os acontecimentos da época apostólica eram conhecidos da igreja do 5º século, ou seja, alguns dons haviam cessado.
O desconhecimento dos acontecimentos de então, e que agora não advêm, produz a obscuridade. E por que agora não sucedem? Eis, pois, que a causa da obscuridade gera outra interrogação para nós. Por que acontecia então e agora, não?[10]
Pregando sobre o Evangelho de João, o mesmo Crisóstomo afirmou:
Ainda agora não há também quem sai em busca de sinais? Deveras ainda há, nesta nossa época, quem inquira por que também agora os sinais não são dados? Se você é crente, como deve ser, se você ama a Cristo como deve ser amado, então você não necessita de sinais, pois estes são dados aos incrédulos.[11]
4.3 Buscas espirituais com ênfases distintas até a Reforma
Buscas com consequentes experiências espirituais ocorreram nos séculos seguintes. Das entranhas da Igreja Medieval surgiram entendimentos diferentes da obra do Espírito, de um lado, os pré-reformadores John Tauler (1300-1361), John Wycliff (1328-1384), John Huss (1373-1415), Jerônimo Savanarola (1452-1498) e William Tyndale (1494-1536) enfatizando o evangelho fiel às Escrituras e, de outro, os místicos espanhóis João da Cruz (1542-1591) e Teresa de Ávila (1515-1582), centrados na oração e êxtases contemplativos.
4.4 A clara bifurcação entre reformados e entusiastas, no que diz respeito às novas revelações, a partir do século 16
Lutero, Calvino e especialmente Zwinglio, no século 16, se referiram ao ministério do Espírito Santo e seus dons enquanto lidaram com os anabatistas e entusiastas (ligados à reforma radical).[12] A pluralidade e pulverização destes últimos impedem uma sistematização; no entanto, é possível sugerir um núcleo de questionamento da igreja institucional e anseio por um governo eclesiástico e civil implementado diretamente pelo Espírito. A reforma radical rompeu com a ideia de igreja institucional. Ser “espiritual” correspondia a descartar qualquer tipo de organização.
No centro da batalha estava a ideia de suficiência da Bíblia — sola Scriptura. Tanto os papistas quanto os entusiastas diziam valorizar a autoridade da Bíblia admitindo a continuidade de novas revelações. Os reformadores foram unânimes em admitir que a aceitação das Escrituras como única regra de fé e prática exigia a cessação do ofício profético. Surgiram movimentos diferentes. Alguns deles, guiados por supostas “novas revelações” do Espírito Santo, tentaram depor as autoridades constituídas pela força das armas, entendendo que Deus os libertava tanto do jugo da Igreja de Roma, quanto da Monarquia. Lutero, Calvino e líderes reformados como Turretini responderam às propostas extrabíblicas dos líderes entusiastas.[13]
No século 17 George Fox fundou a Sociedade dos Irmãos, reivindicando inspiração direta do Espírito Santo e indiferença para com a doutrina. Por causa das manifestações físicas dos crentes que participavam de suas reuniões, eles foram apelidados de quackers ou quacres, “tremedores”.[14] Na mesma época o cristão reformado John Owen publicou um tratado denso e profundo sobre a pessoa e obra do Espírito com um capítulo especialmente dedicado aos dons espirituais.[15] Ainda em 1679 François Turretini, teólogo de Genebra, escreveu em suas Institutas contra a “glória dos milagres”[16] e a “luz profética”[17] — duas reivindicações de suposta autenticidade da Igreja Católica Romana — destacando, quanto aos primeiros, que “os milagres dependem e devem ser julgados pela doutrina e devem ser aceitos à medida que a doutrina […] seja conformada com a Palavra de Deus; do contrário, devem ser rejeitados como espúrios”.[18] Quanto à luz profética:
É um dom extraordinário, não um dom perpétuo, o qual pertence aos dons miraculosos, como a espécie ao seu gênero. […] Há muitas igrejas verdadeiras que existem sem esses dons notáveis, os quais foram peculiarmente outorgados à igreja apostólica no início do Novo Testamento.[19]
Notemos que os teólogos reformados dos séculos 16 e 17 não deixaram de tratar da doutrina do Espírito Santo e dos dons espirituais. Eles fizeram isso respondendo às demandas de seu tempo. Naquela época era preciso combater as reivindicações de autenticidade das novas revelações e dons milagrosos tanto do Catolicismo Romano quanto dos reformadores radicais.
4.5 A obra do Espírito Santo no século 18
O século 18 testemunhou um derramamento do Espírito Santo denominado Grande Despertamento, cujas figuras centrais foram George Whitefield, John Wesley e Jonathan Edwards.
George Whitefield (1714-1770) começou a pregar na Inglaterra, aos dezessete anos de idade e, desde aquela época até os dias atuais, tem sido considerado “o maior pregador desde os tempos apostólicos”.[20]Whitefield rompeu com os costumes da Igreja Anglicana ao pregar ao ar-livre. Entre 1739 e 1741 ele visitou as colônias da América do Norte, e Deus abençoou suas pregações com resultados estrondosos. Em 1740, chegou a falar para multidões de até oito mil pessoas durante um mês, em quase todos os dias. Entre 25 a 50 mil pessoas se converteram e entraram para as igrejas, sem contar os convertidos que já eram membros.[21]
Whitefield influenciou John Wesley (1703-1791) a pregar fora das quatro paredes, e este também anunciou o evangelho tanto na Inglaterra quanto nas colônias norte-americanas. Além disso, Wesley fundou a Igreja Metodista.
Quando John Wesley morreu, havia, na Inglaterra, 77 mil metodistas e 470 casas de pregação. Wesley viajou cerca de 400 mil quilômetros, tendo pregado cerca de 40 mil sermões, numa média de mais de dois sermões por dia, embora tenha sido banido de muitos púlpitos. Wesley literalmente viveu tendo “o mundo como sua paróquia”.[22]
Jonathan Edwards (1703-1758) era pastor da Igreja Congregacional em Northampton, no Estado de Massachusetts, Nova Inglaterra — uma cidade que, na época, tinha cerca de dois mil habitantes.[23] Entre 1735 e 1738, Deus visitou poderosamente sua cidade e congregação:
Primeiro, […] eles abandonaram as suas práticas pecaminosas […]. Depois que o Espírito de Deus começou a ser derramado tão maravilhosamente de maneira geral sobre a vila, pessoas logo deixaram as suas velhas brigas, discussões, e interferências nos assuntos dos outros. A taverna logo ficou vazia, e as pessoas ficavam em casa; ninguém se afastava a não ser para negócios necessários ou por causa de algum motivo religioso, e todos os dias pareciam, em muitos sentidos, com o dia de domingo. Segundo, eles começaram a aplicar os meios de salvação: leitura, oração, meditação, as ordenanças pessoais; seu clamor era: “o que devo fazer para ser salvo?”.[24]
Edwards procurou explicar o avivamento biblicamente. Seus escritos têm grande valor para o entendimento da pessoa e obra do Espírito Santo. Ele não discorreu sobre o uso de dons espirituais na igreja local, mas lançou luz sobre outra questão importante: Dentre os diversos fenômenos psicológicos e físicos oriundos do avivamento, como discernir o que, de fato, é obra do Espírito?[25]
Esse avivamento bíblico e desejável fincou raízes profundas tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra e outros países. Eis suas principais características:[26]
- Apelo à suficiência e supremacia da Bíblia.
- Afirmação da total corrupção da natureza humana.
- Testemunho de que a morte de Cristo na cruz é o único meio de expiação para o pecado.
- Vital doutrina da justificação pela graça por meio da fé.
- Necessidade de conversão do coração como renovação da imagem de Deus operada pelo Espírito Santo.
- Ligação inseparável entre a verdadeira fé e a santidade pessoal.
- Wesley, Whitefield e Edwards criam que avivamentos não podiam ser fabricados; somente esperados em Deus.
Toda igreja bíblica deve desejar um avivamento assim.
4.6 Os desvios do Segundo Grande Despertamento e a tomada da igreja pelos restauracionistas, a partir do século 19
O Grande Despertamento do 18º século deu origem a uma nova terminologia. Até aquele ponto os cristãos se identificavam com base em suas denominações: luteranos, reformados, anglicanos, batistas, ou, de modo mais geral, protestantes, em contraposição aos católicos papistas. O avivamento do século 18 lançou as raízes do que viria a ser o evangelicalismo ou movimento evangélico.
Eis as principais características do evangelicalismo:
Este movimento adotava o estilo de pregação reavivalista e punha ênfase na conversão pessoal (o “novo nascimento”). Por ser movimento de renovação dentro da igreja, sua meta não era tanto converter os não-crentes quanto estimular a fé subjetiva nas verdades do evangelho.
O protestantismo clássico que se originou na Reforma definiu a vida cristã em termos de participação na adoração e na liturgia corporativa da igreja. Esta expressava sua autoridade por meio de confissões e credos mantidos pela autoridade do ofício clerical. Mas o movimento reavivalista pôs de lado grande parte disso. Ele destacava o acesso direto do indivíduo a Deus independentemente da igreja; definia a vida cristã em termos de devoção e santidade individual. A retórica reavivalista tendia a ter um caráter antiautoritário e antitradicionalista, denunciando a liturgia e as cerimônias.[27]
Um historiador afirma que “todo protestante que enfatiza os aspectos subjetivos e éticos do Cristianismo, em vez de ressaltar suas características oficiais e eclesiásticas, é evangélico”.[28] Isso significa que nem todo protestante é evangélico (por exemplo, a maior parte dos luteranos, os membros da Igreja Reformada Alemã e Holandesa e os presbiterianos da velha ala)[29] e, por outro lado, nem todo evangélico tem ligações com as raízes da Reforma Protestante (por exemplo, algumas das atuais comunidades evangélicas). O mais importante é que aquele que se diz protestante ou evangélico seja, de fato, um eleito regenerado, um discípulo de Cristo, em suma, um cristão.
4.7 As sementes do Grande Despertamento
A pesquisadora Nancy Pearcey afirma que “para o bem ou para o mal, durante um período de mais de duzentos anos de história americana, o evangelicalismo populista triunfou sobre as igrejas confessionais”.[30]
Isso não é diferente no Brasil, nem no restante do mundo. Os grupos cristãos que mais crescem exibem as características desse evangelicalismo populista.[31] Uma análise de dados das denominações norte-americanas entre 1776 e 1850 revela que os grupos que participaram do primeiro e segundo grandes despertamentos foram os que obtiveram maior crescimento numérico.[32] “Enquanto isso, o que aconteceu com as igrejas estabelecidas? Entraram num processo de declínio lento, mas permanente, que continua até hoje”.[33]
O grande avivamento do século 18 já carregava as sementes de problemas que surgiriam no futuro. Assim como um corpo saudável contém o potencial de enfermidades — por exemplo, uma célula boa que pode sofrer uma mutação — as bases para qualquer deformação, não apenas no que diz respeito aos avivamentos, mas a qualquer evento ou movimento inicialmente bom, estão normalmente presentes na própria origem autêntica.
Analisemos, por exemplo, a pregação de George Whitefield:
Tendo sido ator quando criança, Whitefield sempre teve uma queda pelo talento dramático, que agora empregava em sua paixão de construir o Reino de Deus. Certo biógrafo até intitula seu livro de The Divine Dramatist (O Dramaturgo Divino), e diz que Whitefield abriu o caminho a um novo estilo de pregação: “O ator-pregador em oposição ao estudioso-pregador”. Ele levantava os braços, batia os pés com força, representava as histórias bíblicas e chorava em voz alta. […] Foram os reavivalistas que abriram caminho à pregação improvisada, objetivando evocar uma resposta emocional e mudança nos corações.[34]
Ou seja, até Whitefield, o pregador era um estudante da Palavra de Deus. A partir dele, o bom pregador passou a ser o orador que cativa as multidões.
Um segundo aspecto a ser considerado é a relação entre razão e fé.
Os oponentes do despertamento tratavam a vida cristã como crescimento gradual na fé e santidade. Denominavam este método “alimentação cristã”, ocasionada pela participação nos rituais e ensinos da igreja. Segundo insistiam, era um crescimento totalmente racional no conhecimento.
[…] Os reavivalistas não buscavam converter as pessoas ao cristianismo tanto quanto ao que eles chamavam de “religião experimental” — a ideia de que a verdade religiosa não deve ser crida, mas também experimentada. […]
[…] Poderíamos dizer que o protestantismo estava sendo dividido em dois pavimentos: os reavivalistas promovendo as conversões emocionais (pavimento de cima) e seus oponentes defendendo a religião racional (o pavimento de baixo).[35]
Tais sementes foram fertilizadas no século seguinte.
4.8 O Segundo Grande Despertamento e os legados de Finney e Irving
O Segundo Grande Despertamento ocorreu entre 1825 e 1831, e teve como personagens destacadas o pastor congregacional Charles G. Finney (1792-1875) e o pastor presbiteriano (que saiu da Igreja Presbiteriana para fundar sua própria denominação) Edward Irving (1792-1834). Este movimento produziu um impacto profundo e de longo prazo no evangelicalismo.
Alguns aspectos daquele despertamento assemelhavam-se ao anterior, mas as diferenças eram também notórias (tabela 1). Enquanto Wesley (parcialmente) e especialmente Whitefield e Edwards foram cuidadosos na pregação bíblica, Finney lançou por terra muitos dos ensinos da Escritura.
Para Finney […] o novo nascimento não é uma regeneração interior do coração, mas simplesmente uma […] escolha. Em outras palavras, o pecador regenera-se a si mesmo, sendo que a palavra de Deus mostra-lhe como fazer isso. O pecador converte-se a si mesmo, mas o Espírito Santo o persuade a fazê-lo. Suas campanhas de evangelização e de reavivamento tinham um propósito: Levar os pecadores a fazer uma escolha imediata de seguir a Cristo. Com isso, Finney introduziu novos métodos nos cultos, como o “banco de misericórdia”; a prática de fazer apelos e convidar pessoas “para irem à frente”, no final da mensagem; além de práticas que provocassem um estado emocional propício ao pecador para escolher a Deus, o que incluía apelos dramáticos e denúncias terríveis do pecado e do juízo […]. Mas, como Lloyd-Jones nota, “um dos erros cardeais de Finney foi confundir campanha evangelística com avivamento”.[36]
Grande Despertamento — Século 18 |
Segundo Grande Despertamento — Século 19 |
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Ênfase na soberania de Deus. |
Ênfase na capacidade de escolha humana. |
Pregação doutrinária, ainda que emocional. |
Pregação como forma de levar o ouvinte a tomar uma decisão. |
Tabela 1. Diferenças entre os avivamentos dos séculos 18 e 19.[37]
O resultado da obra de Finney foi trágico.
Como resultado dessas campanhas, a fé evangélica virtualmente desapareceu da região ocidental de Nova York, já durante a vida de Finney. A maior parte da vasta região da Nova Inglaterra, aonde ele conduziu as campanhas de reavivamento, caiu em permanente frieza espiritual durante sua vida e, mais de cem anos depois, a situação ainda não mudou. Isso ocorreu por influência direta do tipo de pregação promovida por Finney. A região ocidental de Nova York tornou-se conhecida como “o distrito destruído pelo fogo”.[38]
Asa Mahan, um dos companheiros próximos de Finney testemunhou o seguinte:
As pessoas foram deixadas como um carvão apagado que não poderia ser reaceso. […] Mesmo depois de uma geração ter passado, essas crianças queimadas não tinham gosto pelo fogo.[39]
O que Charles Finney deixou para as futuras gerações? Eis um resumo:
Seus sucessores têm perpetuado estes métodos e mantido as características do fundador: o apelo por decisões imediatas, baseadas na vontade humana; o estímulo das emoções como alvo do culto; o desprezo pela doutrina; e a ênfase que se dá na pregação a se fazer uma escolha, em vez da ênfase às grandes doutrinas da graça. As igrejas evangélicas de hoje, influenciadas pela teologia e pelos métodos de Finney, […] têm adotado táticas e práticas em que as pessoas são vistas como clientes, e que promovem a mentalidade consumista nas igrejas evangélicas.[40]
O Rev. Irving é tido como “um dos precursores do moderno movimento carismático”.[41]
Irving trabalhou inicialmente em Glasgow, como auxiliar do famoso Rev. Thomas Chalmers. Aos 30 anos, assumiu o pastorado de uma pequena congregação da Igreja da Escócia em Londres. Sua poderosa pregação produziu tamanho crescimento, que cinco anos depois (1827), quando o novo templo foi inaugurado, a congregação se tornara a maior igreja de Londres. As mais altas personalidades iam ouvir seus sermões, que chegavam a estender-se por duas horas. Irving participava de um grupo que se reunia para estudar escatologia. Convictos da iminente volta de Cristo, ele e seus companheiros oravam por um derramamento do Espírito Santo. No início de 1830 ocorreram manifestações carismáticas na Escócia e no ano seguinte surgiram línguas e profecias na igreja de Irving. Crendo que essas eram expressões genuínas dos dons do Espírito, Irving recusou-se a proibi-las, e poucos meses depois foi afastado da igreja. Mais tarde, o grupo que o acompanhou (mais de 600 pessoas) criou a Igreja Católica Apostólica. Sua posição acerca dos dons estava ligada às suas ideias acerca de Cristo: Este teria sido concebido com uma natureza humana pecaminosa, que foi plenamente santificada pelo Espírito Santo. O mesmo Espírito que santificou a Cristo também capacitaria os crentes para a obra de Deus no final dos tempos. Irving morreu com apenas 42 anos, vitimado pela tuberculose.[42]
O Grande Despertamento do século 18, bíblico e pertinente, abriu espaço para o Segundo Grande Despertamento. Neste, não apenas as sementes do avivamento do século anterior foram regadas, mas adicionaram-se elementos cada vez mais estranhos às Sagradas Escrituras. Ao invés de contribuir para o bom entendimento da pessoa e obra do Espírito Santo, ele enfatizou a experiência em detrimento do conhecimento da Bíblia, assumindo a herança dos montanistas, místicos da Idade Média, entusiastas, reformadores radicais e quacres, estes últimos empacotados no metodismo e movimentos de santidade (holiness).[43] Tais tendências foram misturadas ao semipelagianismo arminiano e ao pragmatismo influenciado pelo iluminismo — tudo isso travestido de linguagem e “estratégia evangelística cristã” propugnadas por Finney e Irving.[44]
Resumindo, ocorreu uma grande virada na compreensão do ministério do Espírito Santo a partir dos séculos 18 e 19. A partir dali, muitos migraram da ortodoxia para a heterodoxia. Como diz Eclesiastes 1.10: “Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós”. Tudo o que se apresenta na igreja, apesar da roupagem atual, é revisão das crenças e práticas de outrora.
Sendo assim, nós estamos diante do desafio de nos apegar ao ensino sólido da igreja fiel — a igreja antiga que condenou o montanismo afirmando que nós não podemos ser guiados por experiências que destoam da Palavra. É a igreja dos reformadores que assumiu que Deus fala aos corações pela Bíblia aplicada pelo Espírito. Os pais reformadores entenderam que os católico-romanos e reformadores radicais eram iguais nesse sentido. Ambos criam em novas revelações do Espírito Santo. Lutero, Calvino e os crentes fieis à Reforma combateram essa ideia perigosa afirmando o princípio de suficiência das Sagradas Escrituras — sola Scriptura.
4.9 O surgimento do pentecostalismo
Essa estranha amálgama dos ideais iluministas (preconizando o uso de subsídios ou métodos humanos), misticismo holiness (anti-institucionalismo e aversão à Teologia) e semipelagianismo arminiano, produziu o anti-intelectualismo evangélico, pavimentando o caminho para o pentecostalismo.[45]
A data tradicional do início da renovação pentecostal […] é o dia de ano-novo de 1901, em Topeka, Kansas. Na escola bíblica de Charles Parham, um culto de oração devota tinha sido realizado na véspera de ano-novo, e durante todo o dia de ano-novo a presença de Deus foi sentida, “tranquilizando os corações a esperar pelas coisas maiores por vir” […]. Por volta de 11 horas da noite, Agnez Ozman, uma das estudantes, recebeu uma oração pelo dom do Espírito Santo, e o Espírito Santo “caiu” […]. A segunda erupção aconteceu em Los Angeles, no dia 9 de abril de 1906, entre um grupo de pessoas brancas e negras que haviam orado e jejuado durante dez dias, pedindo a Deus que enviasse o seu Espírito. No décimo dia, um jovem negro falou em línguas, logo seguido por outros seis crentes.[46]
A segunda reunião mencionada acima ocorreu na rua Bonnie Brae, na residência de um casal da Igreja Batista. “Em pouco tempo a multidão era tão grande que não se podiam fechar as portas nem as janelas […]. A reunião estendeu-se por três dias ininterruptos, e a essa altura já causava alvoroço na cidade”.[47] Uma vez que a casa não comportava mais pessoas, alugou-se um prédio maior. Sendo assim, alguns consideram como data de início do reavivamento pentecostal o dia 14 de abril de 1906, e seu local, um prédio que havia sido da Igreja Metodista Episcopal Africana, localizado na rua Azuza. A convicção de Frank Bartleman, um dos líderes daquele movimento, era de que eles participavam de uma obra restauradora: “[…] demos mais um passo em direção ao caminho para a restauração da igreja. Nós estamos completando o círculo”.[48]
Meio século depois, mergulhadas no ambiente de contestação de ideias, valores e instituições tradicionais, algumas igrejas históricas abraçaram a renovação carismática.[49] A Teologia Pentecostal adquiriu nova roupagem; as atividades do Gospel Men’s Fellowship, se espalharam por todo o mundo. Estava armado o palco para o “avivamento brasileiro”.
4.10 A falácia do “avivamento” brasileiro
O pentecostalismo chegou ao Brasil no início do século 20. Em 1910 surgiu a Congregação Cristã no Brasil, fundada pelo ex-presbiteriano Luigi Francescon (1866-1964), a “partir de um cisma na Igreja Presbiteriana do Brás, constituída em boa parte de italianos”.[50] No ano seguinte, a partir de uma divisão de uma igreja batista em Belém do Pará, Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963 iniciaram a Assembleia de Deus (inicialmente denominada “Missão da Fé Apostólica”).[51]
Enéas Tognini, em seu livro História dos Batistas Nacionais, registra eventos que contribuíram para que as doutrinas e práticas pentecostais influenciassem as igrejas protestantes históricas. Ele sublinha as visitas de pregadores avivalistas: George W. Ridout, um metodista norte-americano, em 1930; o escocês J. Edwin Orr, em 1950; Raymond Boatright, um pentecostal norte-americano, em 1952 e o inglês Roy Hession, entre 1958 e 1960.[52] A estas influências somaram-se os trabalhos de Rosalee Appleby, assim como dos líderes batistas José Rego do Nascimento e o próprio Tognini. Estabeleceu-se o movimento de renovação[53] espiritual, dando continuidade à “tradição” pentecostal de dividir igrejas históricas.
Esta movimentação é entendida por seus precursores e herdeiros como um “avivamento”. A partir deste ponto de vista, ganha terreno a ideia de que estamos experimentando um avivamento brasileiro.[54] Como lemos no pronunciamento de um autointitulado apóstolo contemporâneo:
A atenção de todo o mundo evangélico está concentrado no mover do Espírito de Deus no Brasil. […] Este país, que anteriormente era dominado por festas como o carnaval, Iemanjá, 12 de Outubro (Aparecida, a padroeira do Brasil), tem agora a maior e única festa verdadeira, digna de ser alegremente celebrada de todo o nosso coração: A Marcha para Jesus.[55]
Este “avivamento” brasileiro, como vimos, prega o restauracionismo — Deus está restaurando a igreja conforme Atos e todos os dons espirituais continuam na igreja de hoje (cf. seção 6). Destacam-se os milagres, a batalha espiritual e o triunfalismo da Teologia da Prosperidade.[56] Enfatiza-se a busca fervorosa de Deus, à parte da sã doutrinação. Um pesquisador comparou seis características do avivamento do século 18 com o dito avivamento brasileiro e sugeriu uma conclusão.
Primeiro, no avivamento do século 18, os convertidos manifestavam profunda convicção de pecado. Nas igrejas que afirmam estar experimentando o avivamento brasileiro não há sinal desta convicção. Pelo contrário, a adesão à fé evangélica parece ser um modismo.[57]
Segundo, no avivamento do século 18, os convertidos manifestavam um anseio especial pela Palavra de Deus. Nas igrejas atuais há cada vez menos pregação expositiva e mais música e outros elementos.[58]
Terceiro, no avivamento do século 18, havia renovação no culto. Nas igrejas que afirmam experimentar o avivamento brasileiro, há um novo foco na música, especialmente em adaptá-la segundo as preferências contemporâneas, mas não se pode dizer que tais mudanças são verdadeiramente orientadas pela Palavra de Deus.[59]
Quarto, no avivamento do século 18, ainda que ocorressem fenômenos sobrenaturais, destacava-se a mudança do coração — a transformação da alma e do caráter do povo de Deus. As igrejas que afirmam estar experimentando o avivamento brasileiro destacam mais os fenômenos milagrosos em si, utilizando-os como marketing para aumento do número de fiéis.[60]
Quinto, o avivamento do século 18 produziu impacto social: o reinado de Deus manifestou-se em todas as áreas da vida. Ainda que muitas das igrejas hodiernas se dediquem em diversas frentes sociais, o Brasil como um todo não foi política ou economicamente impactado pela igreja evangélica.[61]
Sexto, no avivamento do século 18 o fim último da igreja era a glória de Deus. Nas igrejas que afirmam estar experimentando o avivamento brasileiro, “Deus tem ficado reduzido a um meio nos esforços do crente por alcançar o seu fim último e principal, a saber, a sua própria felicidade”.[62]
A partir destas considerações, conclui-se:
Verificamos que não existem motivos para nos regozijarmos com o chamado “avivamento brasileiro”. O atual movimento espiritual no Brasil não satisfaz os grandes princípios de Edwards por meio do qual ele descreve um verdadeiro avivamento.[63]
Outro estudioso colocou a questão da renovação carismática nos seguintes termos:
Será que este ideal de renovação, em qualquer ponto, vai além da noção histórica que se tem de avivamento? Sim: uma veia do que chamei de supersobrenaturalismo a percorre, tornando-se visível na ênfase dada a línguas, profecias, curas e expectativas de milagres. No pensamento evangélico a respeito de avivamento, isto não tem similar, e na experiência evangélica de avivamento tem sido constantemente diagnosticado como marca de imaturidade perturbadora e não de espiritualidade elevada.[64]
A partir do que vimos, afirmamos que avivamentos não são cruzadas evangelísticas. Há igrejas que fixam faixas ou cartazes convidando os transeuntes para comparecerem a “reuniões de avivamento”. O problema dessa perspectiva é compreender avivamento como um evento que se planeja, com data e programação definida — uma atividade estabelecida nas agendas de igrejas e ministérios.
Além disso, avivamentos não causam confusão doutrinária. É errado exigir que os cristãos abram mão de suas identidades doutrinárias e se unam a fim de demonstrar uma unidade que desconsidera a ortodoxia. Ainda que reconheçamos que a demonstração de unidade é um mandamento divino, tal união deve ser feita em torno da verdade sem abertura para heresias (Jo 13.35; Ef 4.15-16; 2Jo 1.9-11).
Por fim, avivamentos não promovem celebridades. Tal declaração decorre da percepção de que os modernos “avivamentos” estão ligados a determinadas personalidades religiosas, homens e mulheres que possuem uma espécie de “unção do avivamento”. Tais pessoas levam consigo “a unção”, promovendo versões antibíblicas de “avivamentos”. A Bíblia nos exorta a termos cuidado com milagreiros que omitem a pregação fiel do evangelho (Mt 24.24).
5 O duplo impacto do pentecostalismo no entendimento dos dons espirituais
O pentecostalismo produz um impacto duplo no entendimento dos dons espirituais. Em primeiro lugar, tanto a fé pentecostal quanto seus (a renovação carismática e o neopentecostalismo) resultam do afunilamento da heterodoxia acumulada ao longo da história da igreja (figura 3).
Isso nos leva ao segundo impacto. As afirmações doutrinárias fundamentais do pentecostalismo são normalmente feitas em meio ao estudo sobre os dons espirituais.[65] O fato da maioria dos que se identificam como evangélicos pertencerem a igrejas pentecostais, renovadas ou neopentecostais, favorece uma interpretação dos dons majoritariamente heterodoxa.
O crescimento dos pentecostais, renovados e neopentecostais, a ênfase desejável na santidade, a atratividade de seus cultos e propostas de ministério e o carisma de sua liderança empurram a ortodoxia para uma nova posição. Alguns estudiosos se esforçam para assegurar uma Teologia do Espírito Santo estritamente arraigada à leitura das Escrituras sob a ótica ortodoxa.[66] Outros propõem uma leitura conciliatória ou seja, tentam firmar-se na Bíblia e, ao mesmo tempo, atender algumas aspirações heterodoxas. Eles confundem os cristãos especialmente ao explicar os dons de línguas, interpretação de línguas e profecia.[67] Em terceiro lugar, parte da literatura recente menciona os dons sem firmar posição em pontos controvertidos. Os autores fornecem apoio útil para o entendimento de alguns tópicos, mas afastam-se de qualquer discussão esclarecedora das questões que dividem opinião; a gente lê tais textos e continua sem saber o que explicar ao membro da igreja ao sermos perguntados sobre a proposta restauracionista.[68]
O resultado deste desenvolvimento histórico e teológico é o mosaico de ideias descrito no início deste texto. O ensino heterodoxo sobre os dons espirituais é difundido com convicção por pentecostais, renovados e neopentecostais. A posição ortodoxa é desconhecida ou tratada superficialmente até mesmo por pastores que se dizem bíblicos e reformados. O resultado disso? Confusão. Os cristãos são confundidos com “doutrinas” dos dons espirituais diferentes.
6 A perspectiva restauracionista
Outra maneira de entender estas posições é mostrada na tabela 2. A posição heterodoxa é também denominada restauracionista, porque apregoa uma restauração da igreja atual de tal modo que são atuais todos os dons e ofícios do NT.[69] Os proponentes desta posição entendem fazer parte de um momento da história em que Deus opera a restauração da igreja de Atos e das cartas do NT. Dizem eles que os textos de Atos devem ser considerados não apenas narrativos ou descritivos, e sim, prescritivos.
Muitos setores do protestantismo evangélico têm uma mentalidade voltada à “restauração”. Com certa regularidade, lembramo-nos da igreja primitiva e da experiência cristã vivida no 1º século como uma norma a ser restaurada ou como um ideal que precisamos alcançar. Assim, muitas vezes dizemos frases como: “Atos nos ensina claramente que…”. No entanto, parece óbvio que nem mesmo a totalidade do “ensino claro” é igualmente clara para todos.
Na realidade, é nossa falta de precisão hermenêutica quanto ao que Atos procura nos ensinar que resultou em boa parte das divisões existentes na igreja. Tais práticas divergentes como o batismo de crianças ou somente de adultos cristãos, a política eclesiástica congregacional e episcopal, a necessidade de observar a Ceia do Senhor todos os domingos, a escolha dos diáconos pelo voto da congregação, a venda de posses a fim de ter todas as coisas em comum, e até mesmo a manipulação ritual de serpentes (!) têm sido apoiadas, de forma total ou parcial, com base no livro de Atos.[70]
A leitura restauracionista |
A leitura ortodoxa — |
---|---|
Combatida pela igreja antiga |
A posição predominante na igreja fiel às Sagradas Escrituras até o século 18 |
Tabela 2. Ou forma de entender as duas posições sobre os dons espirituais: Restauracionismo e leitura da igreja antiga e ortodoxa
O restauracionista lê Atos 2.1-4 e conclui que aquilo que Deus fez à igreja na ocasião do Pentecostes — a manifestação audível e visível do Espírito Santo, bem como o falar em outras línguas — deve ser repetido na igreja de hoje. Tal leitura pode ser bem-intencionada, mas gera muitas complicações. Imaginemos a igreja reproduzindo literalmente o modelo de Atos 2. Os cristãos deveriam vender “suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” (At 2.45). Quem propõe isso dificilmente leva em conta que aquela igreja de Jerusalém que abriu mão da propriedade privada passou fome décadas depois e precisou ser socorrida pelos crentes da Macedônia e Acaia (Rm 15.25-27; 1Co 16.1-4; 2Co 8.1—9.15).
O que Deus nos mostra em Atos é uma igreja que vive uma experiência singular, maravilhosa e que sugere princípios dignos de nossa atenção e prática. Para que uma experiência de Atos seja considerada normativa, ela deve ser ratificada por um texto prescritivo — uma ordem direta, preferencialmente do NT. E tal prescrição precisa ser considerada atual por meio de exegese e hermenêutica cuidadosas. Sendo assim, tenhamos cautela com qualquer proposta de entendimento da Bíblia que exige que aquilo que aconteceu no passado deva ser repetido hoje, e.g., nós temos de andar sobre as águas assim como Pedro em Mateus 14.29. Esse tipo de interpretação pode nos conduzir a crenças e práticas desequilibradas.
7 O método da ortodoxia para a compreensão correta dos dons espirituais
Como é que podemos chegar a um consenso acerca do ensino bíblico sobre os dons espirituais? Uma proposta metodológica é sugerida na figura 4.[71]
Ao ler um texto particular que trate dos dons espirituais, é vital compará-lo com o restante do ensino da Bíblia. Só podemos compreender como sã doutrina aquilo que é consistente com a totalidade das Sagradas Escrituras. A Palavra de Deus não é uma coletânea de ideias discrepantes, e sim um sistema harmônico de verdades.
A igreja cristã ao longo da história cometeria menos erros se aplicasse essa regra simples. O indivíduo lê “porei pano de saco sobre todos os lombos” (Am 8.10) e entende que Deus lhe “revelou” que ele deve vestir-se com pano de saco; não apenas isso, ele funda a “Igreja do Pano de Saco Sobre os Lombos”. Infelizmente, o texto de Amós 8.10 é torcido e desrespeitado, ao mesmo tempo em que os crentes são confundidos e divididos.
O dons espirituais são compreendidos corretamente quando atentamos para quatro detalhes (figura 5):
Os crentes antigos consideravam os dons do Espírito Santo como uma aplicação da doutrina da Trindade. Eles os viam como um desdobramento harmônico da aplicação dos pactos da criação e redenção. Ademais, eles entendiam os dons à luz da pessoa e obra de Cristo como clímax de toda revelação necessária para a salvação, santificação e consolação dos crentes. Por fim, os dons eram ligados à edificação da igreja — a sublime obra do Espírito que, pela efetivação dos meios de graça, aplica o evangelho. Dito de outro modo, eles não dividem; os dons unem. Isso pode parecer abstrato agora, mas você verá a aplicação disso tudo nas próximas aulas.
Retornando ao que foi dito no início deste estudo, o Espírito conduz a igreja ao conhecimento e desfrute da verdade. Eu não estou afirmando que a igreja até o século 18 formulou uma doutrina completa dos dons espirituais. Dizer isso seria um anacronismo, uma vez que aqueles cristãos nem sempre lidaram com as mesmas questões de hoje. O que eu digo é que eles forneceram uma moldura de interpretação imprescindível para que nós compreendamos e empreendamos práticas corretas dos dons espirituais na igreja contemporânea.
O fato é que, nos primeiros séculos, os servos de Deus disseram a mesma coisa sobre os dons. É maravilhosa esta unidade que Deus deu à igreja. Os teólogos que lidaram com o montanismo, no 2º século; João Crisóstomo, do 4º para o 5º séculos; cristãos da Idade Média até a época da Reforma e os crentes até o 18º século — todos expressaram um entendimento dos dons espirituais simples, fiel ao evangelho e, impressionantemente, comum.
Nos últimos séculos a situação mudou porque nós deixamos de lado o método coerente de interpretação da Palavra de Deus. Temos de retomar a moldura antiga, a fim de interpretar correta e consensualmente os textos bíblicos que abordam o assunto.
Conclusão
Desde o início do século passado, a leitura restauracionista foi galvanizada no movimento pentecostal. A experiência pentecostal foi entendida como uma “redescoberta” e uma “terceira força” do Cristianismo.[72] Em outro lugar, lemos que o pentecostalismo é tido como “mais um passo em direção ao caminho para a restauração da igreja”.[73] O restauracionismo foi combatido pela igreja antiga. Herdeiro do montanismo, ele mesclou-se ao semipelagianismo e evangelicalismo ligado ao arminianismo e reforma radical e encontrou nova vitalidade no movimento holiness e reavivalismo tornado popular a partir do 19º século.
A leitura ortodoxa (da igreja antiga e os pais reformadores), predominou na igreja fiel às Sagradas Escrituras até o século 18. Ela foi rompida pela divisão do presbiterianismo em velha e nova escola, no século 19. No século 20, foi enfraquecida pela falta de clareza de alguns escritos populares sobre o Espírito Santo e hoje é praticamente desconhecida ou desconsiderada.
Finalizo citando Filipenses 2.2: “Completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento”. Neste versículo, a ARA utiliza “penseis” e “sentimento” para traduz o mesmo vocábulo grego, phroneō, que pode ser entendido como “atitude”, “ponderação”, “reflexão” ou “visão”. Na ARC lemos “sintais” e “sentindo”. Na NTLH, “viver em harmonia” e “unidos de mente”. NVI, “o mesmo modo de pensar” e “uma só atitude”. Outra palavra a ser lembrada é a oração de nosso Redentor: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade (Jo 17.17). E por último, eis a asseveração do apóstolo: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo (Ef 4.15).
É assim que devemos prosseguir no estudo sobre os dons. Oro para que entendamos tudo isso na comunhão com o Senhor e uns com os outros. E que tal entendimento produza um fruto de resposta prática ao chamado para o serviço que cada um de nós recebeu de Deus.
Notas
[1] BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 135.
[2] CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 87.
[3] EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica, XVI.7. São Paulo: Novo Século, 1999, p. 174.
[4] O montanismo recomendava o rompimento de matrimônios e jejuns. Cf. EUSÉBIO DE CESAREIA, op. cit., XVIII.2, p. 177.
[5] MACARTHUR JR., John F. O Caos Carismático. São José dos Campos: Fiel, [200-?], p. 92-93.
[6] “O Concílio […] declarou que os montanistas deviam ser considerados pagãos” (CAIRNS, op. cit., loc. cit.). Grifo nosso.
[7] CAIRNS, op. cit., p. 130-134.
[8] Ibid., p. 131.
[9] MAGNO, Basílio. Basílio de Cesareia: Homilia Sobre Lucas 12; Homilias Sobre a Origem do Homem; Tratado Sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1998. (Coleção Patrística).
[10] CRISÓSTOMO, João. 2: Homilias Sobre a Primeira Carta aos Coríntios: Homilias Sobre a Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 2010, p. 403. (Coleção Patrística). Grifos nossos. Parece que no 2º século havia uma convicção de que o dom de profecia teria continuidade até a volta de Cristo. Cf. BURGESS, Stanley M. The Holy Spirit: Ancient Christian Traditions. Fourth Printing 2002. Peabody, Massachusetts, 1984, p. 51.
[11] CRISÓSTOMO, João. Homily 24*, Homilies on John [NPNF1, 14:84, p. 59.143-44], apud TURRETINI, François. Compêndio de Teologia Apologética, 18.XLIV. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 151. v. 3. Grifos nossos.
[12] Calvino criticou os fanáticos entusiastas que desconsideravam a Bíblia enquanto seguiam seus sonhos. Cf. CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica, I.IX.III. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 102. v. 1. Sobre os embates de Lutero e Zwinglio, cf. GILBERT, William. Renaissance and Reformation. Lawrence, KS: Carrie, 1998. Capítulo The Radicals Of The Reformation. Disponível em: <http://vlib.iue.it/carrie/texts/carrie_books/gilbert/15.html>. Acesso em: 23 out. 2012.
[13] No centro do vocábulo entusiasmo, há a palavra teos, “deus”. O entusiasta entende que está sendo guiado por uma divindade. Cf. MATOS, Alderi Souza de. O Movimento Pentecostal: Reflexões a Propósito Do Seu Primeiro Centenário. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/6982.html>. Acesso em: 4 jun. 2013.
[14] CAIRNS, op. cit., p. 277, 345, 353.
[15] OWEN, John. Πνευματολογια or A Discourse Concerning The Holy Spirit. In: OWEN, John. The Works of John Owen. Edinburg: T&T Clark, 1862. v. 3. LogosBible.
[16] TURRETINI, op. cit., 18.XLIII—XLVI, p. 150-151.
[17] Ibid., 18.XLVII—XLVIII, p. 151-152.
[18] Ibid., 18.XLIII, p. 150.
[19] Ibid., 18.XLVII, p. 151-152. Grifos nossos.
[20] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma Análise Histórica, Bíblica e Apologética Para o Contexto Atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 848.
[21] FERREIRA; MYATT, op. cit., loc. cit.
[22] Ibid., loc. cit.
[23] Ibid., p. 847.
[24] EDWARDS, Jonathan. Faithful Narrative On The Surprising Work Of God. In: The Works Of Jonathan Edwards, v. 1, p. 350-351, apud FERREIRA; MYATT, op. cit., loc. cit.
[25] Cf. EDWARDS, Jonathan. A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais de Autenticidade. 2. ed. revisada. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[26] Adaptado de FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 848-849.
[27] PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 285. Quanto ao estilo de pregação, o sermão reavivalista era, além de emotivo, “simples e informal” (op. cit., p. 295).
[28] HART, D. G. That Old-Time Religion In Modern America: Evangelical Protestantism In: The Twentieth Century. Chicago: Ivan R. Dee, 2002, p. 9, apud PEARCEY, op. cit., loc. cit.
[29] Cf. ibid., p. 285-286. Os presbiterianos norte-americanos se dividiram em duas alas, a velha ala, ligada à fé confessional¸ e a nova ala, ligada à fé reavivalista (cf. ibid., p. 299). Qualquer semelhança com a igreja atual não é mera coincidência!
[30] Ibid., p. 286.
[31] JENKINS, Philip. The Next Christendom: the Coming of Global Christianity. Oxford: Oxford University Press, 2002, passim, apud ibid., loc. cit.
[32] Ibid., p. 289.
[33] Ibid., p. 295. Essa análise da realidade norte-americana é parcialmente aplicável às igrejas brasileiras.
[34] Ibid., p. 297.
[35] Ibid., p. 299, 300, 301. Grifos nossos.
[36] FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 849-850. Grifos nossos.
[37] Adaptado de ibid., p. 849.
[38] Ibid., p. 850.
[39] WARFIELD, B. B. Studies In Perfeccionism. Oxford: 1932, v. 2, p. 26-28, apud ibid., loc. cit. Quanto aos estragos produzidos pelo perfeccionismo cristão, cf. SANTOS, Valdeci da Silva. O Perfeccionismo Como Um Obstáculo à Santidade Cristã, in Fides Reformata, v. XIII, n. 1 (2008), p. 109-128. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XIII__2008
__1/O_Perfeccionismo_como_um_Obstaculo_a_Santidade_Crista_-_Valdeci_da_Silva_Santos.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2013.
[40] LOPES, Augustus Nicodemus. Adoradores ou Consumidores? O Outro Lado da Herança de Charles Finney, p. 26-27, apud FERREIRA; MYATT, ibid., loc. cit.
[41] MATOS, Alderi Souza de. O Movimento Carismático na Igreja Reformada. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/7074.html>. Acesso em: 4 jun. 2013.
[42] MATOS, op. cit., loc. cit. Grifos nossos. Notemos a semelhança entre Irving e Montano. Observe-se ainda o desprezo do pregador escocês pela fé ortodoxa acerca das naturezas humana e divina do Senhor Jesus Cristo.
[43] PEARCEY, op. cit., p. 285-286. Para Bruner (op. cit., p. 32), “o pentecostalismo é uma continuação do metodismo primitivo”. Ele menciona o estudioso Ignacio Vergara, que afirma: “O movimento pentecostal é o metodismo levado às suas últimas consequências” (ibid., loc. cit. — grifo nosso). Isso é assumido por Charles Conn, historiador pentecostal: “O movimento Pentecostal é uma extensão do reavivamento da santidade que ocorreu durante a última metade do século 19 […]. A maioria daqueles que receberam o batismo no Espírito Santo durante aqueles primeiros anos estava ligada ao reavivamento de santidade ou tinha pontos de vista semelhantes ao movimento da santidade” (CONN. Charles. Pillars of Pentecost. Cleveland: Pathway, 1956, p. 27, apud BRUNER, op. cit., p. 38; grifos nossos).
[44] Além do grande avivamento do século 18 podemos citar outros: “O avivamento espiritual por toda a terra na década de 1850 e novamente de 1900; e os movimentos posteriores como o reavivamento da África oriental, que começou em 1930 e ainda continua” (PACKER, J. I. Na Dinâmica do Espírito: Uma Avaliação das Práticas e Doutrinas. Reimp. 2010. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 240. Aqui deve ser incluído o avivamento de 1859 na Irlanda, Estados Unidos, País de Gales e Inglaterra, tão apreciado por LLOYD-JONES, D. Martin. Avivamento. 2. ed. São Paulo: Publicações evangélicas Selecionadas, 1993, passim). É possível mencionar ainda o avivamento na Coreia do Sul, que lançou as bases para o estupendo crescimento da igreja naquele país (CF. BLAIR, William; HUNT, Bruce. O Pentecoste Coreano. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, passim). Todos esses, diferentemente dos movimentos influenciado por Finney e Irving, foram eminentemente bíblicos e abençoadores. Graças a tais intervenções divinas, a igreja foi sustentada e revitalizada.
[45] Finney, apontado por alguns como o grande responsável pelo pragmatismo evangélico deste século, reportou a seguinte experiência espiritual: “O Espírito Santo desceu sobre mim de um modo que parecia passar através de mim, corpo e alma. […] Na verdade, parecia vir em ondas e ondas de amor fluido” (FINNEY, Charles F. An Autobiography. Old Tappan: Revell, 1966, p. 20-21, apud WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. São Paulo: Editora Vida, 2011, p. 528).
[46] WILLIAMS, op. cit., p. 616-617. Afirma-se, porém, que o “primeiro registro de uma ocorrência do dom de línguas dos tempos modernos data de 1830”. Cf. CANTO, Judson. O Avivamento da Rua Azusa [sic] Não Começou na Rua Azusa [sic]. Disponível em: <http://judsoncanto.wordpress.com/2010/11/26/o-avivamento-da-rua-azusa-nao-comecou-na-rua-azusa/>. Acesso em: 24 out. 2012.
[47] CANTO, op. cit., loc. cit.
[48] McCLUNG, L. Grant. (Org.) Azuza Street and Beyond [originalmente intitulado How Pentecost Came to Los Angeles] South Plainfield: Bridge, 1986, p. 74-75, apud WILLIAMS, op. cit., p. 528. Grifo nosso. Este é o primeiro registro encontrado pelo autor da experiência pentecostal — especialmente os êxtases e o falar em línguas — como uma “restauração”. A ideia restauracionista repercute em vários escritos atuais sobre dons espirituais (cf. 6ª seção).
[49] “Nunca houve um ano como 1962, quando muitas das transformações gestadas pela juventude nasceram. Algumas só explodiram algum tempo depois”; ALTMAN, Fábio. O Nascimento do Pós-Tudo, in Veja, ed. 2291, ano 45, n. 42 (17.10.2012), p. 114-115. De fato, as alterações culturais refletiram em todas as áreas: “Na música, no cinema, no sexo e na igreja” (op. cit., p. 115).
[50] MATOS, O Movimento Pentecostal, loc. cit.
[51] Ibid., loc. cit.
[52] MATTOS, Luiz Roberto França. Jonathan Edwards e o Avivamento Brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 20-22.
[53] O movimento de renovação sacudiu as igrejas históricas apregoando: (a) O batismo com o Espírito Santo como um evento distinto da conversão; (b) o falar em línguas como evidência deste batismo. De acordo com a Bíblia, todos os cristãos são batizados com o Espírito Santo na regeneração (Rm 8.9; Ef 1.13). Acerca das diferentes compreensões sobre este assunto — o ponto de vista ortodoxo versus o restauracionista ou pentecostal — cf. BRUNER, op. cit., p. 47-102, 248-260; FERGUSON, Sinclair B. O Espírito Santo. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 75-124; MACARTHUR JR., op. cit., p. 113-123; STOTT, John. Batismo e Plenitude do Espírito Santo. 3. ed. Reimp. 2011. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 49-77.
[54] MATTOS, op. cit., p. 20. De acordo com Walker, “sem dúvida, o reavivamento Pentecostal do começo do século 20 e a renovação Carismática, que teve seu início no final da década de 50, constituem juntos um dos reavivamentos espirituais mais inovadores e de impacto na história”. Cf. WALKER, Paul. Os Dons e o Poder do Espírito Santo. In: HAYFORD, Jack W. (Ed.). Bíblia de Estudo Plenitude. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p. 1393. Grifo nosso.
[55] HERNANDES FILHO, Estevam. Gospel News, ano II, n. 21, p. 4, abril/maio 1996, p. 25. Grifos nossos.
[56] MATOS, O Movimento Pentecostal, loc. cit.; MATOS, O Movimento Carismático, loc. cit.
[57] MATTOS, op. cit., p. 20-25.
[58] Ibid., p. 165-166.
[59] Ibid., p. 166-167.
[60] Ibid., p. 167-169.
[61] Ibid., p. 169-170.
[62] Ibid., p. 171.
[63] Ibid., p. 175. Grifo nosso.
[64] PACKER, op. cit., p. 241, grifo nosso.
[65] É o que encontramos em WALKER, op. cit., p. 1393-1398.
[66] FERGUSON, op. cit.; RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo: A Obra Definitiva Sobre o Pensamento do Apóstolo dos Gentios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004; KUYPER, Abraham. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010; MACARTHUR JR., op. cit.; BRUNER, op. cit. Uma edição da obra de Bruner foi lançada pela Edições Vida Nova em 1983, mas não foi reeditada. Isso sugere que a proposição ortodoxa da doutrina sobre o Espírito Santo talvez não tenha vendido bem, ou seja, não agradou aos leitores simpáticos ao pentecostalismo, renovação e neopentecostalismo. Cf. ainda STOTT, op. cit.; LLOYD-JONES, M. Grandes Doutrinas Bíblicas: Deus o Espírito Santo. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998. v. 2. Ainda que ligado à tradição reformada, este autor destoa desta ao sustentar a necessidade de uma “segunda bênção” ou “batismo com o Espírito Santo” (op. cit., p. 301-313). Outro autor ortodoxo é PACKER, op. cit. Ele é devoto e cuidadoso em sua avaliação dos dados bíblicos, rebatendo as principais teses do restauracionismo. Um autor que situa-se, em grande parte, na ortodoxia, mas que escorrega ao tratar do dom de profecia, é GRUDEM, Wayne. O Dom de Profecia: Do Novo Testamento aos Dias Atuais. São Paulo: Vida, 2004; GRUDEM, Wayne. Manual de Doutrinas Bíblicas: Teologia Sistemática ao Alcance de Todos. São Paulo: Vida, 2005, p. 446-448. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. 2. ed. com índices. Reimp. 2012. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 892-902. Um estudioso reformado sugere, assim como Grudem, que o ofício profético cessou, mas o dom profético continua na igreja (CAMPOS, Heber Carlos de. Profecia Ontem e Hoje. In: MATOS, Alderi Souza de. et al. Fé Cristã e Misticismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 92-130). Respondendo a Grudem a Campos, e esclarecendo um ponto que divide até os autores ortodoxos — o sentido exato de 1Coríntios 14.29 — é fundamental a leitura de ROBERTSON, O. Palmer. A Palavra Final: Resposta Bíblica às Questões das Línguas e Profecias Hoje. São Paulo: Os Puritanos, 1999. Dentre os teólogos sistemáticos, é precioso o ensino de TURRETINI, op. cit., 18.XLIII—L, p. 150-152.
[67] É o caso de SCHWARZ, Christian A. As Três Cores dos Seus Dons: Como Cada Cristão Pode Descobrir e Desenvolver Os Seus Dons Espirituais. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2003; WAGNER, C. Peter. Descubra Seus Dons Espirituais. 5. ed. Atualizada e Ampliada. São Paulo: Abba Press, 2009; KORNFIELD, David. Desenvolvendo Dons Espirituais e Equipes de Ministério. São Paulo: SEPAL, 1997, p. 183-185.
[68] Cf. STURZ, Richard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 558-561; RICHARDS, Lawrence O.; MARTIN, Gib. Teologia do Ministério Pessoal: Os Dons Espirituais na Igreja Local. São Paulo: Vida Nova, 1984; e.g., BUGBEE, Bruce; COUSINS, Don; HYBELS, Bill. Rede Ministerial: Pessoas Certas Nos Lugares Certos Pelas Razões Certas. Guia do Líder. São Paulo: Vida, 1998, p. 77, definem o dom de línguas como “a capacitação para falar, adorar ou orar em um idioma desconhecido” (grifo nosso). O leitor não é informado sobre o que é este idioma. O texto mascara uma perigosa ambiguidade conceitual com uma retórica convicta. Algo semelhante pode ser afirmado de alguns verbetes encontrados em HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P. Dicionário de Paulo e Suas Cartas. São Paulo: Paulus; Vida Nova; Loyola, 2008, passim.
[69] Essa interpretação é equivocada. Nos grupos que assumem esta perspectiva, às vezes as prescrições das cartas apostólicas são aplicadas sem considerar a singularidade do contexto histórico e cultural do 1º século. Na Congregação Cristã do Brasil, por exemplo, as mulheres usam véu e os irmãos cumprimentam-se com beijos, seguindo estritamente as ordens de Paulo em 1Coríntios 11.2-6; 16.20. Cf. ainda ROBISON, James. O Espírito Santo e a Restauração. In: HAYFORD, op. cit., p. 1389-1392.
[70] FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes O Que Lês? Um Guia Para Entender a Bíblia Com o Auxílio da Exegese e da Hermenêutica. 3. ed. Revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 132.
[71] Esta proposta é sugerida pelo autor. Trata-se de uma compilação de leituras e pesquisas ao longo das últimas duas décadas.
[72] BRUNER, op. cit., p. 24, 27. De acordo com Bruner, as primeiras duas forças seriam o Catolicismo Romano e o Protestantismo. Inconsistentemente, “nos Estados Unidos, existem grupos que se denominam carismáticos reformados”. Cf. MATOS, O Movimento Carismático. Grifo nosso. Algo semelhante ocorre no Brasil.
[73] WILLIAMS, op. cit., p. 528.
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