Os leitores de Veja (edição 2297, de 28 de novembro, p. 19, 22-23) tiveram a oportunidade de conhecer algumas ideias do pastor Rob Bell, autor do livro O Amor Vence e fundador da Mars Hill Bible Church (marshill.org), uma das maiores igrejas dos Estados Unidos, sediada em Grandville, e que não deve ser confundida com a Mars Hill Church (marshill.com), sediada em Seattle e pastoreada por Mark Driscoll.
O pastor Bell é apresentado como um líder ascendente e que tem enfurecido a igreja ao questionar alguns dogmas. Ele defende uma noção radical do amor divino que culmina no universalismo, a ideia que Deus salvará a todas as pessoas, mesmo aquelas que não acreditam nele. Bell parece considerar suas posições como parte de “uma mudança radical no cristianismo. Algo equivalente a uma nova reforma” (p. 22). Ele afirma que:
O movimento de Jesus se perdeu em algumas categorias-chave. Para muitas pessoas, a palavra salvação significa que Jesus virá nos salvar, que Jesus vai nos tirar daqui quando morrermos. Ou seja: é sempre sobre como ir para outro lugar em outro tempo. A palavra salvação precisa ser entendida num contexto holístico. A razão de tantos ocidentais fazerem ioga está no fato de que ioga quer dizer integração. Somos seres integrados. Acho que estamos na linha de frente de algo massivo, que vai mudar tudo (loc. cit.).
O entusiasmo e sinceridade de Bell são evidentes. Ele acerta ao dizer que o cristianismo deve ir além das questões tidas normalmente como “espirituais” e abranger todas as áreas da vida. Também é louvável sua sensibilidade ao sofrimento humano e, especialmente, sua preocupação com a lacuna existente na igreja, entre o que se prega e o que, de fato, se crê e faz. Destaca-se ainda o seu apreço ao universo observável (seu deslumbramento diante da física quântica) e sua discrição ao relatar seus “encontros profundos, […] pessoais, com o amor de Deus” (p. 23). Tudo isso contribui para torná-lo atrativo como guia espiritual.
Alguns detalhes, porém, devem chamar nossa atenção, dois deles (o primeiro e o último), de omissão, os outros, de menção.
O modo como Rob Bell articula seu argumento sugere ao leitor uma caricatura do cristianismo preconizado pelas igrejas bíblicas e conservadoras. Fica a impressão de que as igrejas tradicionais não ensinam que Deus é amor, não trabalham para reduzir o sofrimento na terra, são preconceituosas, pregam uma mensagem que divide e fragmenta, desconhecem o verdadeiro ser de Deus, são contrárias à liberdade e felicidade do homem e, por fim, inventaram o dogma do inferno. Em suma, Bell omite que há igrejas apegadas à sã doutrina, contemporâneas quanto ao ministério e fiéis ao cumprimento dos mandatos espiritual, social e cultural. Esta omissão é grave por sugerir ao leitor a ideia de que todo o cristianismo “pré-Bell” está deformado e comprometido.
Bell critica a mensagem evangelizadora da igreja. Por dois mil anos a igreja apegada ao Novo Testamento pregou que o homem precisa “nascer de novo” (ser regenerado por Deus), arrepender-se de seus pecados e crer em Cristo como seu único e suficiente Salvador. Os crentes em Cristo servem a Deus como “luz do mundo”, são aperfeiçoados em santidade pelo Espírito Santo e desfrutarão eternamente da glória celestial e da ressurreição para a vida. Bell sugere que a igreja que crê e ensina assim subsiste numa “subcultura exclusivista” (p. 22).
Historicamente, a igreja sempre creu em um Deus no qual se equilibram perfeitamente o Amor e a Justiça. A igreja sempre anunciou que “Deus é amor”. Bell, porém, entende que Deus é somente amor, ou melhor, sua ideia de amor exclui absolutamente a disciplina ou o juízo: “O Deus sobre o qual Jesus falou não seria capaz de ferir alguém” (p. 23).
O resultado lógico desta posição — acuradamente percebido por André Petry, entrevistador de Veja — é o aprisionamento dos homens a Deus. Mesmo a pessoa que não quiser Deus será “condenada” ao Paraíso (p. 23). A esta questão Bell responde dizendo que é possível haver “algum estado de rejeição ou resistência. Talvez seja esse estado que muitas pessoas chamam de ‘inferno’” (loc. cit.). Ao fim, depois de garantir que Gandhi está com Deus mesmo sem ser cristão, Bell não consegue explicar a contento a situação eterna de Hitler (loc. cit.).
Destaco ainda o pragmatismo de Bell revelado por sua indiferença à Teologia. Após discorrer sobre suas experiências pré-cognitivas com Deus, ele diz: “Por isso, nunca fiquei preocupado com sistema doutrinário, com essa ou aquela denominação, nunca me empenhei em ter a comprovação do meu dogma. Isso não me preocupa”. Dito de outro modo, ele formula seus próprios dogmas enquanto questiona os dogmas da igreja. E isso desconsiderando toda e qualquer elaboração sistêmica de doutrina.
Como é que nós consideraríamos um indivíduo que se diz médico havendo jogado fora todos os construtos da Medicina? Como é que nós avaliaríamos alguém que se apresenta como matemático sem articular os axiomas fundamentais da Matemática? Eis o que temos: Um pastor que descarta a Lógica e a Teologia e, em seu lugar, apresenta uma formulação inconsistente sobre Deus e seu modo de lidar com os homens. Suas explicações, ao invés de esclarecer confundem e estabelecem uma “Torre de Babel” nos âmbitos do ministério e do testemunho cristão.
Por fim, os posicionamentos de Bell quanto ao Juízo de Deus e casamento homossexual revelam seu descaso para com as Sagradas Escrituras. Pastor relevante, engajado em atos de compaixão pelos pobres e marginalizados, pregador do universalismo e de uma espiritualidade holística. Tudo isso sem demonstrar apreço pela Bíblia como Escritura inspirada, infalível, inerrante e suficiente. De fato, ele está “na linha de frente de algo massivo que vai mudar tudo” (p. 22). Eu só não entendo que esta seja uma mudança para o bem.
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