O dilema do intersexo

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As revistas eclésia e Época publicaram, em 2003, entrevistas com Victor Orellana, pastor da Igreja Acalanto, em São Paulo e gay assumido. “Ser pastor e gay é uma experiência ímpar”, diz o ministro, argumentando que, segundo seu ponto de vista, não existem proibições bíblicas para a prática do homossexualismo, que é orientado biologicamente. Uma pessoa não escolhe ser homossexual, ela nasce homossexual. O desdobramento lógico de tais idéias é que o homossexualismo não pode ser condenado, pois não se trata de uma escolha moral.

Os cristãos bíblicos repudiam tais argumentos e assumem uma postura firmada em dois pilares, primeiramente afirmando o amor de Deus aos homossexuais. Todo ser humano foi criado à “imagem e semelhança” do Senhor e possui dignidade ímpar. Cristo, em sua obra redentora, acolhe amorosamente a todos os tipos de pessoas (Gênesis 1.27; 1 Timóteo 2.3-6). Apesar disso, a Bíblia ensina que o homossexualismo é condenável por decorrer de uma opção pecaminosa: a pessoa deixa de identificar-se sexualmente de acordo com o padrão da criação (“à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem – macho – e mulher – fêmea – os criou”; Gênesis 1.27). Ao caminhar na cegueira de seus próprios pensamentos e impulsos, o homem degenera-se, assumindo a vivência homossexual (Romanos 1.18-32). Daí a afirmação de que o Senhor julgará esse tipo de prática (1 Coríntios 6.9-10).

A questão do intersexo

Até aqui tudo claro, mas eis que surge a reportagem O Terceiro Sexo, publicada na edição 185 da revista SUPERINTERESSANTE. O artigo fala do intersexo, o estabelecimento genético de múltiplos padrões sexuais. Estudos de especialistas definem a existência de pelo menos cinco sexos: masculino, feminino, “herm” (pessoas com formações de testículos e de ovários ao mesmo tempo), “ferm” (pessoas com ovários e alguma expressão da genitália masculina) e o “merm” (indivíduos com testículos e algo da genitália feminina). E há pesquisadores que defendem a existência de 11 sexos diferentes!

Os portadores de intersexo são um em cada 1,5 mil, o que significa que há tantas pessoas com tal morfologia quanto com esclerose múltipla ou cálculo urinário. Na maioria dos casos, submetem-se a cirurgias de definição de sexo logo após ou poucos meses depois do nascimento. O problema é que cerca de 25% deles, ao tornarem-se adultos, rejeitam o sexo que foi “estabelecido pelo médico”. São mulheres que, interiormente, são homens, ou vice-versa.

A Igreja é desafiada a articular uma nova ética para tais pessoas, que alojam dentro de si ambigüidades sexuais sem terem optado por isso. A medicina vê tais casos como patologias e encontra-se dividida quanto à melhor forma de tratamento. Biblicamente, trata-se de uma situação que foge ao padrão da criação, mas que não pode estar excluída do padrão da redenção.

Como a igreja deve ministrar aos portadores de intersexo? Como deve acolhê-los e discipulá-los? E qual o lugar de tais pessoas no serviço cristão?

Uma ética para o intersexo

Como vimos, os médicos apontam a existência de três novas modalidades sexuais, além de masculino e feminino. Há pessoas “herm”, com formações de testículos e de ovários ao mesmo tempo, “ferm”, com preponderância genética feminina (ovários) e alguma expressão da genitália masculina e “merm”, preponderantemente masculinos, mas com algo da genitália feminina.

Tais indivíduos são tratados pelos médicos como pacientes. A medicina entende que a vivência social e psicológica exige uma definição sexual masculina ou feminina e por isso utiliza a cirurgia, nos primeiros dias de vida, para estirpar um dos órgãos sexuais e formatar o sexo “definitivo”. O problema é que, destes, cerca de 25% confirmam uma orientação sexual diferente daquela que foi “cirurgicamente estabelecida”. Literalmente, pode ocorrer de um “homem” adulto e portador de todos os caracteres genéticos e desejos masculinos, possuir órgão sexual feminino.

O cristianismo, em sua caminhada histórica, afirma três coisas: A criação, cujo ideal é a sexualidade consistente com a configuração biológico-física, “macho” ou “fêmea” (Gênesis 1.27). A queda, que viola o estado original e corrompe o universo, produzindo sofrimento e morte. A redenção, realizada por Cristo que “morreu e ressuscitou” a fim de resgatar integralmente tanto o homem quanto o cosmos (Romanos 8.1-25; Colossences 1.13-20).

A partir daqui é possível esboçar uma ética de três níveis:

Primeiramente, é preciso aproximar-se dos portadores de intersexo e dizer: “Vocês são bem-vindos, iguais a nós, dignificados por Deus na criação e enormemente deformados em virtude da queda. Cheguem-se ao Senhor e aproximem-se da Igreja; a graça acolhe a todo o que crê”. Tal postura de nivelamento é necessária para que nos lembremos de que, à parte da graça divina, somos todos doentes e irremediavelmente perdidos.

Mas eis a questão: tais pessoas desejam expressar sua sexualidade. Aquele “homem” em um “corpo de mulher”, sente desejo sexual por pessoas do sexo feminino. "E agora José"?

Aplica-se, então, o segundo nível de formulação ética, apresentando a graça de Deus, agora em seu aspecto restritivo. Restrição é uma palavra importante para o cristão, quando se trata de sexualidade. De acordo com a Bíblia, seres humanos de todos os sexos devem restringir-se no que diz respeito à sua prática sexual: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1 Coríntios 6.18). Homem, mulher, herm, ferm, merm ou seja lá qual for a designação de gênero, devem praticar a continência (Efésios 5.3-6). Assim, essa “irmã” que geneticamente é “irmão”, precisa aprender a viver sob a liderança do Espírito Santo, a fim de não praticar a imoralidade, uma vez que o contato sexual com uma outra mulher denotaria a prática de homossexualismo feminino (lesbianismo – Romanos 1.26; Efésios 5.15-21).

Puxa, mas tal pessoa nunca poderia expressar livremente seus desejos sexuais? A resposta inicial é “não”, assim como todos os cristãos. Ninguém pode expressar "livremente" seus desejos”, que devem ser articulados dentro dos limites estabelecidos pelas Escrituras. Esse é um dos pilares da santificação do corpo (1 Tessalonicenses 4.3-8).

O terceiro nível ético é o apoio a uma nova intervenção cirúrgica. O portador de intersexo de nosso exemplo receberia novamente um órgão sexual masculino e tornar-se-ia, de fato, civil e fisicamente, um homem. Então, ele estaria livre para viver sua sexualidade biblicamente, casando-se e experimentando uma vida conjugal regular. A Igreja, com todo respeito, deixaria de designá-lo “irmã” e passaria a designá-lo “irmão”, em cuja vida veria as marcas da redenção de Jesus, aquele em nome de quem “tudo se faz novo” (2 Coríntios 5.17; Apocalipse 21.5).

Não custa esclarecer (por mais óbvio que pareça) que estou falando de portadores de intersexo e não homens ou mulheres que optam pelo homossexualismo e “decidem” operar para mudar de sexo, somente a fim de darem vazão aos seus pecados. O homossexualismo, diz a Bíblia, decorre de cegueira espiritual e opção pelo mal (Romanos 1.18-32). O intersexo é disfunção genética e deve ser considerado como algo completamente diferente.

O intersexo, visto por este prisma, não é verdadeiramente um dilema. Trata-se de uma dentre milhões de conseqüências da queda; uma marca do humano decaído e um chamado à prática do amor acolhedor.

A Igreja de Cristo e, subseqüentemente, a Igreja Presbiteriana Central do Gama, não se abstém ou envergonha de acolher portadores de intersexo, nem de evangelizá-los, discipulá-los, comungar e servir ao Senhor com eles. Aliás, a IPCG não os vê como “eles”. Somos todos iguais, pecadores redimidos, caminhando unicamente pela misericórdia de Deus: “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Romanos 5.20).

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