O estresse da liderança

— por

Tecla Liderança

Uma pesquisa da International Stress Management Association (Isma), publicada na VEJA da semana passada, revelou que padres e freiras são mais estressados que policiais e executivos. As causas apontadas para o estresse são a exigência de “dedicação e obediência para a vida toda”, o “excesso de trabalho” e a “expectativa dos fiéis, que esperam dos sacerdotes um comportamento exemplar” — eles “são constantemente observados e avaliados”. Se fizessem uma pesquisa semelhante entre pastores, imagino que os resultados seriam similares.

Tal informação é útil no sentido de contribuir para eliminar o mito da tranqüilidade pastoral. Lembro-me de colegas de curso teológico que de vez em quando suspiravam: “rapaz, só de imaginar que só faltam seis meses para o término do curso! Depois, é só passar pelo exame do presbitério e pronto, assumir uma igreja, longe dessa correria; só pastorear — sem estresse”. Ledo engano. O pastorado é estressante, especialmente em um ponto crítico: a tomada de decisão em liderança e sua implementação.

Preencher um cargo com status de liderança é uma coisa; liderar, de fato, é outra, principalmente nesses dois aspectos: decidir e executar o que se decidiu. Aqui somos confrontados com o exemplo supremo da liderança do Messias. Na obra do Redentor, o Espírito Santo é designado de “Espírito de conselho e de fortaleza” (Is 11.2; grifos nossos). O termo traduzido por “conselho” denota competência para recomendar, persuadir, comunicar e planejar (BibleWorks). O foco não é conciliar, mas individual, uma vez que se trata das ações do Líder-Messias. O termo traduzido por “fortaleza” denota força, resolução e ação poderosa (Ibid). O texto declara que o Messias, pelo Espírito, tomaria decisões sábias e, em seguida, as colocaria corajosamente em prática. Daí a Nova Tradução na Linguagem de Hoje: “capacidade e poder.”

Relaciono isso com alguns textos do Novo Testamento. Em Lucas 9.51 registra-se que o Senhor Jesus Cristo, “ao se completarem os dias em que devia […] ser assunto ao céu, manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém”. No Monte das Oliveiras, Jesus orou nesses termos: “Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e, sim, a tua” (Lc 22.42). O mesmo Evangelho contém as últimas palavras ditas pelo Redentor, na cruz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou” (Lc 23.46). Uma decisão foi tomada e demonstrada em Lucas 9.51. Jesus empenhou-se por executá-la, não sem conflitos ou dificuldades, como lemos em Lucas 22.42. Ele obedeceu até o fim — até a “morte de cruz” (Lc 23.46; cf. Fp 2.8).

Veja o detalhe vital: em liderança espiritual, a tomada de decisão está inseparavelmente ligada à obediência do líder a Deus. Trata-se de um processo intrincado, tanto bíblico-racional quanto bíblico-devocional, cujo produto final se chama convicção. E uma convicção, ou seja, uma decisão divinamente instilada no coração, é mais para ser praticada do que explicada. Ademais, uma convicção deixa de sê-la se for tida como negociável. Deus ordenou Noé a construir uma arca e ele a construiu (Gn 6.14-22), mandou Abrão sair de sua terra e ele saiu (Gn 12.1-4), orientou Paulo a ir para Jerusalém e este foi (At 19.21, cf. 20.22-24, 21.10-14). Mais: a prática de qualquer decisão força o líder a assumir suas conseqüências. A responsabilidade é dele e de ninguém mais.

Sei que isso pode soar estranho especialmente àqueles que são membros de igrejas cujo sistema de governo é conciliar. É fácil confundir conciliarismo com total abstinência de liderança individual. Pastores podem proceder como meros moderadores ou subordinados de seus conselhos, fugindo de toda e qualquer questão espinhosa que exija decisão. Compartilham os assuntos com o corpo de presbíteros (o que na maioria das vezes é bom) imiscuindo-se de liderar (o que é mau). Tais pastores conseguem enxergar a necessidade de unção do Espírito para a pregação e ensino; eles percebem que seus ministérios têm de alinhar-se ao de Jesus, mas, infelizmente, não observam que a unção messiânica implica no uso do “conselho e fortaleza.”

Considerando o que alguns comentaristas bíblicos afirmam sobre a timidez do jovem Timóteo, não nos surpreende que Paulo o exorte a reavivar o seu dom, lembrando-se de que “Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação” (2Tm 1.6-7). Timóteo precisava liderar — tomar decisões firmes e implementá-las.

A tomada de decisão coloca o pastor em seu lugar, nos termos constitucionais e litúrgicos. Ele é responsável, o servo a quem Cristo se dirige a fim de garantir a saúde da igreja local (Ap 1.12-3.22). Ele prestará contas pelas almas sob sua jurisdição (Hb 13.17). Ainda que eu entenda que os presbíteros regentes são, com o docente, pastores do rebanho, não nos esqueçamos de que:

  • Constitucionalmente, eles se dedicam a um ministério de auxílio ao pastor-efetivo;
  • eles são ovelhas do pastor-efetivo;
  • uma das tarefas do pastor-efetivo é exatamente discipular seus presbíteros a fim de capacitá-los para o exercício maduro e frutífero de seus ministérios (Ef 4.11-16).

Sendo assim, o pastor caminha com seu Conselho humildemente, sabendo estar entre irmãos, presidindo a Igreja com abertura para as ricas contribuições conciliares e sempre manifestando o fruto do Espírito. Nesse contexto, ele lidera. Ele — e nenhum outro — possui o cajado da liderança. Em diversas situações críticas, ele deverá dar a palavra de comando, sempre sob a convicção da direção do Altíssimo.

Alguns podem argumentar que isso é mais episcopal do que presbiteriano. Remeto esses críticos ao exemplo da forte liderança de Calvino em Genebra. Genebra é conhecida como referência do ministério de Calvino e não do Conselho local. Deus colocou Calvino ali, naquele tempo, a fim de imprimir sua liderança divinamente orientada. Eis um bom padrão reformado. Querem mais? Leiamos sobre John Knox, ou Martin Bucer. Fora dos arraiais presbiterianos temos Charles Spurgeon, que não confundiu humildade com fraqueza quanto às decisões e ações eclesiásticas. Líderes humildes, crentes e fortes, para a glória de Deus.

O Conselho ou a assembléia geral de uma igreja pode definir pela saída de um pastor efetivo? É claro que sim. Mas, enquanto estiver em seu mandato, o pastor deve liderar sob Deus, sem medo dos homens.

Isso é estressante.

Aqui uma palavra final. A pesquisa citada anteriormente revelou um dado surpreendente: “padres e freiras são a categoria profissional que com maior freqüência se diz feliz e mais raramente se sente sem esperança. A resposta para esse aparente paradoxo pode estar na fé”. Bingo. O mesmo se aplica aos pastores, ou seja, o estresse pastoral é prazeroso; servir a Deus, ainda que lidando com os desgastes decorrentes da incompreensão ou oposição dos homens, produz verdadeira felicidade (cf. Sl 40.8, 100.2).

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