O passado passou

— por

O título acima é uma redundância, uma obviedade. Qualquer pessoa em sã consciência sabe disso e uma afirmação contrária é tida por ilógica e inconsistente. O autor do Eclesiastes afirma que, de certa maneira, nada se altera: “Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós” (Ec 1.10). Por outro lado, a história, segundo as Escrituras, é linear, segue uma linha que tem início, meio e fim. Ao contrário dos orientalistas, que vêem a história como um ciclo ininterrupto de recomeços, enxergamos que esta é formada por estágios nomeados como passado, presente e futuro.

Não obstante, ninguém é o mesmo ano após ano. O corpo muda, a mente muda, o espírito muda. Não são as mesmas as águas que passam debaixo de uma ponte, nem a poeira em que se pisa, em uma montanha. Sabe aquele passado que amamos, que guardamos em uma caixinha de musicas, na parte mais agradável de nossas lembranças? Foi-se definitivamente, não retornará jamais. O amor de ontem foi de ontem – é preciso amor hoje, para hoje. As risadas soltas e espontâneas, dadas naquele verão há algum tempo, apagaram-se. Hoje, é necessário rir para hoje. Lembra-se daquela mocidade? Envelheceu. Lembra-se daquele coral? Não canta mais. Lembra-se daquela paixão, daquela vivacidade, daquela esperança que movia o coração? É preciso paixão hoje, para hoje, vivacidade hoje, para hoje e esperança hoje, para hoje. Quem vive do passado mumificou-se, engessou-se, estagnou-se. Uma coisa boa é relembrar mas é fatal prender-se ao que já foi, deixando de cultivar aquelas coisas que são. Alguém cantou com sabedoria:

Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Uma boa verdade que, apesar de não constar nas Escrituras, reflete bem o ensino paulino: “esquecendo-me das coisas que pra trás ficam e avançando para as que diante de mim estão…” (Fp 3.13). Isso precisa ser afirmado pois temos um defeito congênito: depois de uns anos, deixa de funcionar a primeira marcha e só conseguimos engatar a marcha-a-ré. Pios para nós e para os que nos cercam. Ninguém vive do passado. O passado passou, c’est fini, kaput.

Rememorar morbidamente o que se foi, resmungar pela flor que secou, é morrer antecipadamente, é assumir uma postura de vampiro, deitar-se no caixão para acordar novamente, na noite seguinte.

Saia da tumba e corra para ver os campos, que estão novamente floridos. E as flores desta estação são outras, com novos cheiros e texturas, criadas por Deus que “faz novas todas as coisas” (Ap 21.5).

Desejo-lhe um feliz 2007.

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