Os sonhos de Deus jamais vão morrer (parte 2)

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No post anterior forneci alguns significados do vocábulo “sonho”, a relação entre sonho e revelação e a evidência bíblica de que somente os seres humanos sonham. Chegou o momento de refletirmos sobre a implicação da redenção para os nossos sonhos.

A redenção e os nossos sonhos

A obra de Jesus consiste em restaurar nossos sonhos? Essa é uma questão pertinente porque temos ouvido exatamente isso. Uma música evangélica muito tocada convoca-nos à confiança em Deus afirmando “não desista, não pare de lutar, não pare de adorar; levanta teus olhos e vê, Deus está restaurando teus sonhos e a tua visão” (FERBER, 2010, grifo nosso).

O que isso significa?

Faça o teste; converse com dez pessoas sobre esta estrofe e prepare-se para receber uma dezena de respostas que, ainda que diferentes, revelam a absorção de uma interessante mensagem, algo como “não estou derrotado; Deus acredita em mim”, ou “posso levantar a cabeça e tocar em frente”, ou ainda “a coisa está feia, mas, vai melhorar!” e coisas semelhantes. Sem um construto doutrinário sólido, afirma-se uma palavra de autoajuda, uma bênção psicológica de autoafirmação.

Entenda-se isso não como crítica maldosa, mas como convite a uma avaliação teológica respeitosa da música em questão. Eu mesmo, dado à melancolia, já me peguei chorando ouvindo esta canção; ela é indubitavelmente boa para elevar nosso ânimo e nos empurrar para o enfrentamento de desafios.

Observe-se que são unidos “sonho” e “visão”, dois vocábulos da profecia de Joel 2.28-29. O problema é que, como expliquei anteriormente, o sentido da profecia não é “Deus vai restaurar seus sonhos e visão” e sim “cumpriu-se a antiga promessa; chegou a hora de Deus descortinar plenamente o evangelho, a totalidade da revelação do NT”.

O propósito de Deus e os nossos sonhos

E o que diz o evangelho aos nossos sonhos?

  • Primeiro, o evangelho mata os sonhos como “sequência de ideias soltas ou incoerentes às quais o espírito se entrega, devaneio, fantasia […]; plano ou desejo absurdo, sem fundamento” (HOUAISS, 2009, CD-ROM). A obra de Cristo produz a derrocada de nossas inconsistências psicológicas, existenciais, morais e volitivas. O processo que o Espírito Santo usa para produzir isso é denominado santidade prática. Um exemplo bíblico disso é encontrado no pedido de Tiago e João, registrado em Marcos 10.35-40. Ambos queriam desfrutar da honra de assentar-se à direita e esquerda do Redentor, por ocasião da manifestação definitiva de seu reino. Este afirmou-lhes que não era possível prometer-lhes isso e terminou por confirmá-los na comunhão de seu sofrimento. Deus nos ajuda a compreender o quão tolas e até mesmo perigosas são nossas fantasias e coloca-nos sob o seu governo, destruindo tudo aquilo que é danoso ao nosso bem-estar espiritual. Nesses termos, Deus não restaura nossos sonhos e sim os extingue.
  • Segundo, quanto aos sonhos como “desejo vivo, intenso e constante, anseio”, Deus os alinha ao seu propósito. Isso implica em profunda transformação. Certamente Pedro, como pescador, tinha suas aspirações. É possível que Paulo tivesse sonhos relacionados à sua carreira no judaísmo como fariseu respeitável e, pensando na história da igreja, lemos sobre um jovem, João Calvino, que viajava com destino a Estrasburgo, tencionando dedicar-se aos estudos e que foi forçado pela Providência a comprometer-se com o serviço divino em Genebra, até o fim de seus dias. E esses são apenas poucos exemplos. Uma olhada ainda que rápida na galeria dos crentes listados em Hebreus 11 ou nos anais da história evangélica revela um dado comum: Deus não “restaurou” os sonhos daqueles homens, mas alinhou-os ao seu querer.
  • Sendo assim, o que o evangelho faz? Sem dúvida, com base nas promessas de Deus, podemos dizer que o Senhor nos anima, nos levanta do pó, nos motiva a prosseguir com uma vida produtiva na qual constem projetos e boas realizações (Sl 113.7; cf. Sl 1.3, 37.3-6). Entendamos, porém, que o evangelho diz a cada um de nossos sonhos: submeta-se a Deus ou morra, ou, nas palavras de Jesus, “[…] se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará” (Lucas 9.23-24; cf. Pv 16.1).

Acompanhe-me no próximo post, quando escreverei sobre o uso da palavra “sonho” em nossa hinologia e música cristã contemporânea.

Referências bibliográficas

FERBER, Ludmila. Recebe a cura. Disponível em: < http://vagalume.uol.com.br/ludmila-ferber/recebe-a-cura.html >. Acesso em: 6 mar. 2010.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. (Ed.). Sonho. In: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. Editora Objetiva Ltda., 2009. CD-ROM).

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Respostas

  1. Avatar de Janaína Lazzaretti
    Janaína Lazzaretti

    O Bom de ler o seu blog é que dá para matar um pouco das saudades das suas pregações e ensinamentos… Deus abençoe ao senhor, a Bruna e a tia Mirian aí!
    saudades de todos,

    Jana

  2. Avatar de Cristiano
    Cristiano

    Realmente, muitas mensagens hoje consumidas pelo povo de Deus parece mais atrelada com uma agenda de “bem estar” do que com os conceitos encontrados na Palavra de Deus. A mensagem do Evangelho não é sobre autoajuda, mas de transformação. Neste sentido, o bem que Deus quer para nós nem sempre significa aquilo que achamos bom. Graças a Deus que ele cuida integralmente de nós, inclusive dos nossos anseios, propósitos, sonhos.

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