Uma ética para o intersexo

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Como vimos no post anterior, a medicina aponta para a existência de diferentes modalidades sexuais, além de masculino e feminino. Há pessoas “herm”, com formações de testículos e de ovários ao mesmo tempo, “ferm”, com preponderância genética feminina (ovários) e alguma expressão da genitália masculina e “merm”, preponderantemente masculinos, mas com algo da genitália feminina.

Tais indivíduos são tratados pelos médicos como pacientes. A medicina entende que a vivência social e psicológica exige uma definição sexual masculina ou feminina e por isso utiliza a cirurgia, nos primeiros dias de vida, para estirpar um dos órgãos sexuais e formatar o sexo “definitivo”. O problema é que, destes, cerca de 25% confirmam uma orientação sexual diferente daquela que foi “cirurgicamente estabelecida”. Literalmente, pode ocorrer de um “homem” adulto e portador de todos os caracteres genéticos e desejos masculinos, possuir órgão sexual feminino.

O cristianismo, em sua caminhada histórica, afirma três coisas: A criação, cujo ideal é a sexualidade consistente com a configuração biológico-física, “macho” ou “fêmea” (Gn 1.27). A queda, que viola o estado original e corrompe o universo, produzindo sofrimento e morte. A redenção, realizada por Cristo que “morreu e ressuscitou” a fim de resgatar integralmente, tanto o homem, quanto o cosmos (Rm 8.1-25; Cl 1.13-20).

A partir daqui, é possível esboçar uma ética de três níveis:

Primeiramente, é preciso se aproximar dos portadores de intersexo e dizer: “Vocês são bem-vindos, iguais a nós, dignificados por Deus na criação e enormemente prejudicados em razão da queda. Cheguem-se ao Senhor e aproximem-se da igreja; a graça acolhe a todo o que crê”. Tal postura de nivelamento é necessária para que nos lembremos de que, à parte da graça divina, somos todos doentes e irremediavelmente perdidos.

Mas eis a questão: Tais pessoas desejam expressar sua sexualidade. Aquele “homem” em um “corpo de mulher”, sente desejo sexual por pessoas do sexo feminino. “E agora José”?

Aplica-se, então, o segundo nível de formulação ética, apresentando a graça de Deus, agora em seu aspecto restritivo. Restrição é uma palavra importante para o cristão, quando se trata de sexualidade. De acordo com a Bíblia, seres humanos de todos os sexos devem se restringir, no que diz respeito à sua prática sexual: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1Co 6.18). Homem, mulher, herm, ferm, merm ou seja lá qual for a designação de gênero, devem praticar a continência (Ef 5.3-6). Assim, essa “irmã” que geneticamente é “irmão”, precisa aprender a viver sob a liderança do Espírito Santo, a fim de não praticar a imoralidade, uma vez que o contato sexual com uma outra mulher denotaria a prática de homossexualismo feminino (lesbianismo — Rm 1.26; Ef 5.15-21).

Puxa, mas tal pessoa nunca poderia expressar livremente seus desejos sexuais? A resposta inicial é “não”, assim como todos os cristãos. Ninguém pode expressar “livremente seus desejos”, que devem ser articulados dentro dos limites estabelecidos pelas Escrituras. Esse é um dos pilares da santificação do corpo (1Ts 4.3-8).

O terceiro nível ético é o apoio a uma nova intervenção cirúrgica. O portador de intersexo de nosso exemplo receberia novamente um órgão sexual masculino e tornar-se-ia, de fato, civil e fisicamente, um homem. Então, ele estaria livre para viver sua sexualidade biblicamente, casando-se e experimentando uma vida conjugal regular. A igreja, com todo respeito, deixaria de designá-lo “irmã” e passaria a designá-lo “irmão”, em cuja vida veria as marcas da redenção de Jesus, aquele em nome de quem “tudo se faz novo” (2Co 5.17; Ap 21.5).

Não custa esclarecer (por mais óbvio que pareça) que estou falando de portadores de intersexo e não homens ou mulheres que optam pelo homossexualismo e “decidem” operar para mudar de sexo, somente a fim de darem vazão às suas decisões contrárias a seus corpos biológicos. O intersexo é disfunção genética e deve ser considerado como algo singular.

Visto por este prisma, o intersexo não apresenta, verdadeiramente, um dilema. Trata-se de uma dentre milhões de consequências da queda; uma marca do humano decaído e um chamado à prática do amor acolhedor.

A igreja de Cristo não deve se abster, nem envergonhar de acolher portadores de intersexo, nem de evangelizá-los, discipulá-los, comungar e servir ao Senhor com eles. Aliás, a igreja não pode vê-los como “eles”. Todos os que creem salvificamente em Jesus Cristo são igualados como pecadores redimidos, caminhando unicamente pela misericórdia de Deus: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5.20).

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