O líder cristão é um visionário — um criador e articulador de visão. Ele é capacitado para formatar e comunicar uma visão com clareza. Ele sabe como motivar os membros da igreja a assumirem uma visão rumo a um alvo bíblico e desejável.
Esse é o paradigma atual sobre liderança, difundido na literatura e em diversos eventos cristãos. No contexto do evangelicalismo episcopal, isso pode ser acolhido sem dificuldades. O problema é abraçar essa idéia no âmbito da liderança bíblica conciliar.
- Se a igreja é corpo sacerdotal e o pastoreio do povo de Deus é uma tarefa compartilhada, como imaginar a figura de um líder da visão?
- Se, diferentemente dos tempos do Antigo Testamento, Deus “é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.6), por que a igreja precisa de um líder visionário?
- Se o Novo Testamento apresenta as igrejas locais sendo governadas por presbíteros eleitos pelo povo, onde encontramos, em Atos ou em qualquer epístola apostólica, a figura do líder da visão — o líder que se sobressai, que está sobre os outros, como canal exclusivo da iluminação e direção divina?
Os colegas pastores concordarão que, enquanto caminhamos com a igreja, é tentador imaginar que podemos nos destacar sobre os demais, considerar o ministério (o termo “ministério” significa serviço) como uma posição de poder e confundir autoridade espiritual com superioridade hierárquica. Somos inclinados a nos esquecer de que fomos chamados para a cruz, e que a igreja é o instrumento divino para nossa santificação e trabalho humilde.
A igreja é, ainda, corpo comum, a comunhão dos santos. Nela eu sou abençoado pela graça divina ministrada por meus irmãos e irmãs. Nesses termos, os presbíteros regentes são coiguais (uma palavra preciosa, destilada da doutrina da Trindade) e os membros da igreja não são meus subordinados. Fui vocacionado para nutri-los com a Palavra e os Sacramentos, enquanto sou por eles ajudado em vários aspectos de minha própria peregrinação cristã. Não sou um líder da visão, mas busco discernir o que Deus está realizando em nosso meio, o que ele nos orienta pela Escritura e como devemos responder a ele, aqui e agora. Nesse processo, assumimos alvos e trabalhos juntos. Não se trata, porém, de uma liderança visionária, e sim de uma liderança compartilhada, orientada pela fé, lastreada na Palavra de Deus e regada pela vivência da graça.
O modelo de liderança visionária é ótimo para os negócios, pois confere dinamismo às organizações que precisam adaptar-se constantemente ao mercado cada vez mais globalizado e, por conseguinte, mutável. Na esfera religiosa, produz grandes estruturas “ministeriais” — instituições ditas cristãs que crescem explosivamente, da noite para o dia. Atrai os holofotes e conquista espaço na mídia e no imaginário popular. A questão, porém, é se isso, de fato, corresponde à igreja do Novo Testamento.
Compreendo os que, de boa vontade, assumem esse paradigma. Eu mesmo já fiz parte dessas fileiras. Hoje a igreja onde sirvo a Deus busca simplesmente ser “uma família de discípulos de Jesus, fundamentada na Bíblia, comprometida com a Reforma, que proclama as boas-novas da salvação, atua na restauração de pessoas e coopera na edificação do Reino de Deus”. Nada mais. Abandonei de vez a falácia da liderança visionária. Oro para que Deus me mantenha firme, até o fim, ao modelo da liderança pastoral estabelecido pelo Senhor Jesus Cristo.
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