O trabalho pastoral

— por

Quem é o pastor, quais são as suas atribuições e como a resposta a estas perguntas auxilia no atendimento das necessidades reais de uma igreja local? Neste estudo eu tento responder a estas questões a partir das Escrituras, da teologia e da história.

Dados teológicos

Charles Spurgeon disse: “Os ministros são para as igrejas, e não as igrejas para os ministros”.[1] A partir desta afirmação, proponho que a formulação de uma teologia de ministério consistente exige três coisas:

  1. A teologia de ministério deve ser fiel à revelação bíblica acerca da vocação, pastoreio e serviço cristão.
  2. A teologia de ministério deve trabalhar cuidadosamente as informações advindas das sistematizações teológicas anteriores, especialmente da eclesiologia.
  3. A teologia de ministério deve procurar na história as várias maneiras como o pastorado tomou forma entre o povo de Deus.

Essa tríplice observação nos ajuda a compreender melhor tanto a identidade quanto a função ou atribuições do pastor.

O pastor nas Escrituras

No ambiente do Antigo Testamento (AT), o termo “pastor” é usado para identificar líderes religiosos e políticos, nem sempre íntegros (Sl 78.70-72; Is 44.28, 56.11; Jr 2.8, 10.21, 23.1-2; Ez 34.1-5; Na 3.18). Isso, de certo modo, reflete o contexto mais amplo da cultura de Israel.

No oriente antigo, já em data recuada “pastor” era um título de honra que se aplicava a soberanos e divindades de igual modo. Este uso da palavra se acha em forma estereotipada nas listas dos reis sumerianos, nos registros da corte da Babilônia e nos textos das pirâmides (os livros dos mortos). O costume era seguido no decurso de toda a antiguidade.[2]

Quanto aos pastores que eram guardadores de ovelhas propriamente ditos, exerciam função que exigia grande responsabilidade:

Esperava-se da parte dos pastores […] que demonstrassem cautela, paciência e honestidade. No verão seco, em terra fraca, não era fácil achar novas pastagens na época certa, enquanto os rebanhos passavam por regiões desabitadas, nem atingir o equilíbrio correto entre o pastoreio, o abastecimento de água, o descanso e a viagem. O pastor devia cuidar incansavelmente dos animais indefesos (cf. Ez 34.1 et seq.). A devoção ao dever era posta à prova ao montar-se guarda sobre o rebanho, noite após noite, contra as feras e os salteadores.[3]

No uso bíblico do termo, destacam-se duas novidades, já no AT: Primeiramente, diversas funções pastorais são realizadas pelo próprio Deus, que é chamado de “pastor de Israel” (Sl 80.1). Sua vinda é apregoada com regozijo, pois ele “como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam ele guiará mansamente” (Is 40.10-11; cf. Sl 23.1). Na profecia de Ezequiel, Deus mesmo recolherá suas ovelhas, garantindo-lhes o seu bem-estar:

Tirá-las-ei dos povos, e as congregarei dos diversos países, e as introduzirei na sua terra; apascentá-las-ei nos montes de Israel, junto às correntes e em todos os lugares habitados da terra. Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem; deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o Senhor Deus. A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei; mas a gorda e a forte destruirei; apascentá-las-ei com justiça (Ez 34.13-16).

Após julgar “entre ovelhas gordas e ovelhas magras” (Ez 34.20), Deus suscitará “um só pastor, e ele as apascentará”, o Messias, descendente de Davi (Ez 34.23).

A segunda novidade é que, além de dignificar espiritualmente o pastoreio, Deus promete conceder ao seu povo pastores segundo o seu coração, que lhes “apascentem com conhecimento e com inteligência” (Jr 3.15). É sob esta referência que Jeremias identifica, a si mesmo, como aquele que não se recusou “ser pastor”, apesar dos sofrimentos decorrentes desta vocação (Jr 17.15-17).

No Novo Testamento NT), Jesus utiliza a profecia de Ezequiel 34.23 para referir-se ao ajuntamento final dos remidos (a consumação), identificando-se como o “bom pastor”, que “dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11, 16).

Os desenvolvimentos posteriores, registrados em Atos, nas epístolas e no Apocalipse, demonstram que a comunidade cristã foi desde cedo pastoreada pelos apóstolos e, concomitantemente e em seguida, pelos presbíteros ou bispos que eram chamados por Deus e confirmados pela igreja (At 14.23, 20.17, 28; 1Tm 4.14; Tt 1.5-9). Os “pastores e mestres” são mencionados na lista de ofícios de Ef 4.11, dados por Deus à igreja para seu governo e edificação.

Berkhof explica o surgimento do ofício pastoral como segue:

É evidente que, originalmente, os presbíteros não eram mestres. A princípio, não havia necessidade de mestres, separadamente, uma vez que havia apóstolos, profetas e evangelistas. Gradativamente, porém, a didaskalia (o ensino, a docência) ligou-se mais e mais estreitamente ao ofício episcopal; mas, mesmo então, os mestres não constituíram uma classe separada de oficiais. […] Com o transcorrer do tempo, duas circunstâncias levaram a uma distinção entre os presbíteros ou superintendentes encarregados somente do governo da Igreja, e os que também eram chamados para ensinar: (1) quando os apóstolos faleceram e as heresias surgiam e aumentavam, a tarefa dos que eram chamados a ensinar tornou-se mais exigente, requerendo preparação especial, 2Tm 2.2; Tt 1.9; e (2) em vista do fato de que o trabalhador é digno do seu salário, os que estão engajados no ministério da Palavra, tarefa amplamente abrangente que requer todo o seu tempo, foram liberados doutros trabalhos para poderem devotar-se mais exclusivamente ao trabalho de ensinar.[4]

Allen Curry entende que diversos vocábulos bíblicos relacionam-se com o exercício do pastorado:[5]

  • Da Bíblia Hebraica:
    • “Servo”; ebed, aquele que se submete a um soberano (Sl 143.12).
    • “Cultivar”; abad, o trabalho realizado como culto a Deus (Gn 2.15).
    • “Pastor”; raah, aquele que alimenta (2Sm 5.2; Ez 34.2).
    • “Sacerdote”; kohen, quem leva as causas do povo perante Deus e representa Deus diante do povo (Ed 10.18).
    • “Rei”; melek, aquele que governa (1Rs 2.15).
    • “Profeta”; nabi, o que transmite a Palavra de Deus ao povo (Dt 18.15).
    • “Ancião”; zaqen, aquele que julga e administra (Nm 11.16-25).
    • “Ensinar” e “aprender”; lamad, doutrinação e discipulado (Dt 4.10; 5.1).
    • Diálogo com Deus; palal, aquele que ora (Sl 102.17; Ez 9.8; Am 7.1-5).
  • Do NT:
    • “Serviço humilde”; diakonia (Ef 3.7).
    • “Escravo”; doulos (Mt 24.45; Rm 1.1).
    • “Mordomia”, oikonomia (1Pe 4.10).
    • “Testemunho”; marturia (Jo 1.34).
    • “Pai”, pater (1Co 4.14-15).
    • “Admoestar”, “orientar” ou “aconselhar”; noutheteo, nouthesia (1Ts 5.12).

Stitzinger destaca, dentre outros termos:[6]

  • A proclamação pública do evangelho, kerux (Rm 10.14; 1Tm 2.7; 2Tm 1.11).
  • A responsabilidade pelo ensino, didaskalos, tanto instrutivo (1Tm 2.7) quanto corretivo (1Co 12.28-29).
  • As tarefas de governante, embaixador e exemplo (1Ts 5.12; 2Co 5.20; 1Tm 4.12; 1Pe 5.3).

As atribuições dos pastores

A partir destas informações, é possível esboçar uma lista de atribuições do ministro:[7]

  • Pregar (2Tm 4.2).
  • Pastorear, alimentar (1Pe 5.2).
  • Aperfeiçoar, capacitar (Ef 4.12); edificar com autoridade (2Co 13.10).
  • Orar pelo rebanho (1Sm 7.5, 8, 12.7, 23; Jo 17.9; At 6.4; Rm 1.9-10; 1Co 1.4-5; Ef 1.15-23).
  • Velar pelas almas (At 20.28-31; Hb 13.17).
  • Lutar pelo evangelho; exortar e convencer; repreender (1Tm 1.18; Tt 1.9,13).
  • Alertar e advertir (At 20.31; 2Ts 3.15).

Isso exige, indubitavelmente, contato pessoal amoroso e visitação (Mc 2.15; Lc 10.38-39, 19.5-6; At 20.19-21). Além disso, o pastor deve supervisionar e administrar, efetivando o significado dos termos “episcopado”, “presbítero” e “bispo” (At 15.1-6; 1Tm 3.1-7, 14-15).

Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue (Atos 20.28).

O pastor nos símbolos de fé e na teologia

Na Confissão de Fé (CFW) e no Catecismo Maior de Westminster (CMW), há poucas referências ao ministério pastoral. Destacam-se a singularidade da vocação, as funções ministeriais de distribuição dos sacramentos e pregação (CFW, XXVII.4; XXVIII.2; XXIX.3; CMW, perguntas 158-159). Nesse sentido, tais símbolos não diferem de outro importante documento confessional, a Confissão Escocesa:

Duas coisas são necessárias para a reta administração dos sacramentos. A primeira é que eles devem ser ministrados por ministros legítimos; e declaramos que tais são apenas os que são designados para a pregação da Palavra, em cujos lábios pôs Deus a Palavra de exortação e que estes são os que são para isso legitimamente escolhidos por alguma igreja. A segunda é que devem ser ministrados com os elementos e da maneira que Deus estabeleceu; de outra forma, afirmamos que deixam de ser os sacramentos corretos de Jesus Cristo.[8]

A Segunda Confissão Helvética (SCH) por sua vez, aprofunda as considerações sobre o ministério, não apenas referindo-se ao pastor como pregador e administrador dos sacramentos, mas dedicando todo o seu 18º capítulo ao tema Dos Ministros da Igreja, Sua Instituição e Deveres do Pastoreio.[9] Os ministros são usados por Deus para a edificação da igreja, foram instituídos pelo próprio Senhor e não devem, nem ser depreciados, nem idolatrados.

Deus sempre usou os seus ministros para reunir ou edificar para si uma igreja, e para governar e preservar a mesma; ele ainda os usa e sempre o fará, enquanto a igreja permanecer na terra. Portanto, a origem, a instituição e o ofício dos ministros é uma ordenação muito antiga do próprio Deus, e não uma nova invenção dos homens. É verdade que Deus poderia, pelo seu poder, sem o uso de qualquer instrumento, congregar para si mesmo uma igreja dentre os homens; porém, ele preferiu lidar com os homens por meio do ministério de homens.[10]

É através deles, dos pastores, que Deus move os corações dos homens:

Então, creiamos que Deus nos ensina por meio de sua palavra, externalizada por meio dos seus ministros, e, no interior, move e persuade o coração dos seus eleitos à fé, pelo seu Espírito Santo; e que, por isso, devemos render a Deus toda a glória por esse benefício.[11]

No que diz respeito à sua natureza, os ministros são “remadores, cujos olhos estão fixos unicamente no piloto, isto é, homens que não vivem para si mesmos ou segundo a sua própria vontade, mas para os outros”.[12] Eles são “despenseiros dos mistérios de Deus”, quais sejam, o evangelho e os sacramentos e exercem o poder de Cristo, no uso correto das chaves do reino dos céus).[13] Seus deveres são “o ensino evangélico de Cristo e a legítima administração dos sacramentos”,[14] desdobrados em diversas tarefas:

É dever dos ministros, afirmo, ensinar os ignorantes e exortar; e estimular os indecisos ou ainda os que caminham lentamente a avançar no caminho do Senhor, consolar e confirmar os pusilânimes, e armá-los contra as multiformes tentações de Satanás, levantar os caídos; convencer os contradizentes, expulsar do rebanho do Senhor os lobos, repreender de modo prudente e severo os crimes e os criminosos, não ser coniventes nem se calarem perante o crime. Porém, além de tudo isso, é seu dever administrar os sacramentos, recomendar à igreja as necessidades dos pobres, visitar, instruir e conservar no caminho da vida os enfermos e os afligidos por várias tentações. Além disso, devem cuidar das orações públicas ou das súplicas em ocasiões de necessidade, juntamente com o jejum, ou seja, procurar uma santa abstinência, e cuidar o mais diligentemente possível de tudo o que diz respeito à tranquilidade, à paz e à salvação das igrejas.[15]

Para isso, é mister que o ministro seja piedoso:

Requer-se especialmente dele que tema a Deus, seja constante na oração, entregue-se à leitura sagrada e, em todas as coisas e em todas as ocasiões, seja vigilante, e pela pureza de vida deixe a sua luz brilhar diante de todos os homens.[16]

O pastor na história

Policarpo (c. 70-55), fala sobre o pastor nos seguintes termos:

Também os presbíteros devem ser compassivos, misericordiosos com todos, trazendo de volta os que se desviaram do caminho, cuidando dos enfermos, não esquecendo as viúvas ou os órfãos ou quem for pobre, mas sempre se preocupando com o que é honroso aos olhos de Deus e dos homens […]. Então, vamos servir-lhe com temor e reverência, como ele mesmo ordenou juntamente com os apóstolos que nos pregaram o evangelho e os profetas que previram a vinda do Senhor.[17]

Clemente de Alexandria (c. 155-220 d.C.), Orígenes (c. 185-254 d.C.) e Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) dedicaram-se pessoalmente ao pastoreio e deixaram importantes contribuições escritas sobre o assunto, apesar de observar-se, em seus estudos e procedimentos, influências da institucionalização da igreja, iniciada no 2º século).[18]

Na Idade Média John Wycliffe (1324-1384), John Huss (1373-1415) e William Tyndale (1494-1536) comprometeram-se com um ministério bíblico, voltado para a simplicidade do NT.[19]

No período da Reforma, apesar das diferenças doutrinárias, tanto os reformadores magisteriais, Martinho Lutero (1483-1546), Martinho Bucer (1491-1551), João Calvino (1509-1564) e John Knox (1514-1572), quanto os reformadores anabatistas, tais como Conrad Grebel (1495-1526), Michael Sattler (1490-1527), Balthasar Hubmaier (1480-1528) e Menno Simons (1496-1561), lutaram por implementar ministérios pastorais enraizados nas Escrituras, comprometidos com a santidade e voltados para a glória de Deus.[20] Uma leitura das biografias desses homens confirma que eles pagaram um preço alto por suas convicções.

Um rico legado histórico foi deixado pelos puritanos. Para Richard Baxter (1615-1691), o cuidado das almas era fundamental, a fim de que Deus pudesse atender as orações por reforma.[21] Juntamente com dois assistentes, ele pastoreou a igreja de Kidderminster (Inglaterra) por quase duas décadas, visitando e recebendo para instrução, ano após ano, cada uma de suas 800 famílias.[22]

De modo simples e direto, Baxter lista oito deveres dos ministros:

  1. Informar-se sobre a “ordem de cada família, para saber como proceder nos seus esforços em seu favor”.[23]
  2. Visitar as famílias “de vez em quando, escolhendo um momento em que estejam mais livres”.[24]
  3. Ajudar os crentes a aprender a orar.[25]
  4. Motivar os crentes a ler a Bíblia e outros “livros úteis e comoventes”.[26]
  5. Orientar os cristãos sobre a “guarda do dia do Senhor” e sobre “como proceder nesse dia, deixando de lado seus afazeres mundanos para evitar distrações e pesos”.[27]
  6. Ensinar os crentes sobre a importância do trabalho, admoestando os “chefes de família a cumprir seus deveres”.[28]
  7. Visitar e cuidar dos enfermos.[29]
  8. Exercer a disciplina eclesiástica.[30]

O perfil do pregador, traçado por João Bunyan, em sua obra O Peregrino, retrata de forma excelente a ideia puritana acerca do ministério:

Intérprete — Podes entrar. Serão cumpridos os teus desejos.
Em seguida ordenou a um de seus criados que acendesse uma luz, e, tomando pela mão o viajante, introduziu-o numa sala. Abriu depois uma porta, e Cristão viu, pregado na parede, o retrato duma personagem grave e majestosa dos livros na mão e a lei da verdade escrita nos seus lábios; voltava as costas ao mundo, e estava na atitude de instar com os homens; uma coroa de ouro estava pendente sobre a sua cabeça. Dirigindo-se a Cristão, que não percebia o que significava aquele quadro, disse-lhe:
Intérprete: — Este é um entre mil. Este pode tomar para si aquelas palavras do apóstolo: “Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus. Meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (1Co 4.15; Gl 4.19). E o apresentar-se com os olhos levantados para o céu, o melhor dos livros na mão, e a lei da verdade escrita em seus lábios, é para te mostrar que se ocupa em conhecer e explicar coisas obscuras para os pecadores; e por isso está de pé, na atitude de quem trata de convencê-los. Tem o mundo atrás das costas, e uma coroa de ouro pendente sobre sua cabeça, para te significar que, desprezando e fazendo pouco caso das coisas deste mundo, por causa do serviço do Senhor, terá como recompensa, no século futuro, uma coroa de glória.
Principiei por te mostrar este quadro, porque a personagem aqui representada é a única autorizada pelo Senhor do lugar para onde te diriges, para te guiar em todos os passos difíceis que hás de encontrar no teu caminho.[31]

Tal visão de ministério foi compartilhada por Charles Spurgeon (1834-1892), G. Campbell Morgan (1863-1945), Roland Allen (1868-1947), Benjamin B. Warfield (1851-1921), D. Martyn Lloyd-Jones (1939-1981) e, mais recentemente, Richard C. Halverson, Jay Adams, John MacArthur, Jr., David Hansen e Eugene Peterson. Este último, cujos escritos começam a ser publicados no Brasil, escreve que “a orientação espiritual é a tarefa de ajudar uma pessoa a levar a sério o que é deixado de lado pela mente tomada pela publicidade e farta de crises”.[32] Tal tarefa, segundo ele, cabe ao pastor, aquele que precisa “lidar com o óbvio, com o pecado e o Espírito”.[33]

O pastor e sua denominação

O rito de entrada no ministério pastoral é a ordenação do presbitério, que é um conselho formado de presbíteros docentes e regentes (1Tm 4.14).[34] A partir de então, o ministro administra diversos relacionamentos eclesiásticos:

  • Pelo menos da Igreja Presbiteriana do Brasil, ainda que “para atender às leis civis” o ministro seja “considerado membro da igreja de que for pastor”, ele está sob a jurisdição, de fato, de seu “presbitério”.[35] É nesse âmbito conciliar que o pastor presta contas de seu serviço.
  • Civil e criminalmente, o ministro é o responsável pela administração geral da igreja, representando-a “ativa, passiva, judicial e extrajudicialmente”.[36]
  • O pastor tem responsabilidades tanto locais quanto extralocais, dedicando-se a atividades de ensino e gestão, em concílios, autarquias e outras instituições denominacionais.

Tais relacionamentos, exemplificados no ministério presbiteriano, são reproduzidos em outros sistemas de governo. A prática pastoral é forçosamente multidisciplinar. O pastoreio exige, simultaneamente, o cultivo de vida devocional, estudo sistemático das Escrituras e da teologia, liderança estratégica, administração dos negócios temporais da igreja e contato pessoal com o rebanho.

Sumário da teologia de ministério

De acordo com as Escrituras, os símbolos de fé e a boa tradição reformada, o ministro é um cristão regenerado e piedoso (portanto, humilde), vocacionado e capacitado pelo Espírito Santo, ordenado e dedicado para amar, guiar, alimentar, consolar, estimular, aconselhar, corrigir, cuidar, treinar, fortalecer e proteger o povo de Deus.

Ele não encontra estímulo nem é atendido pelos valores ou ferramentas seculares, e sim na comunhão pessoal com o Senhor, nos meios de graça e nos meios designados na Palavra de Deus. Seu sucesso não é avaliado utilizando critérios humanistas ou comerciais, mas em termos de sua fidelidade ao evangelho e do recebimento do galardão eterno (At 20.24; 2Tm 4.7-8; 1Pe 5.1-4).

Conclusão

A igreja é a comunidade comissionada, responsável pela proclamação do evangelho e edificação dos crentes. Ela é guiada, consolada e suprida pela presença e poder do Espírito Santo, que chama os ministros e os capacita com dons.

Deus concede à igreja os meios de graça, suprindo as necessidades espirituais dos membros, e provendo iluminação, forças e direção para o serviço. Sempre que a igreja ou seus pastores se desviam da simplicidade e eficácia de tais meios, ocorrem desqualificação e enfraquecimento.

Nesse sentido, a igreja deve compreender sua identidade bíblica e histórica, aprofundar-se na devoção e integração e mobilizar-se para o serviço, liderança e testemunho. Nesse ínterim, ela pode reavaliar a administração de seu tempo e recursos, focalizando em compromissos que glorifiquem a Deus no cumprimento de sua missão.

O ministro deve implementar, além de liderança e administração, pastoreio cuidadoso, atentando para cada membro em particular. Ele deve cumprir fielmente suas atribuições. Além disso, deve desempenhar suas responsabilidades conciliares e denominacionais, o que exigirá, certamente:

  • Aprofundar e expandir a vida devocional, através da oração e leitura das Escrituras e livros piedosos.
  • Administração cuidadosa da agenda pastoral, priorizando os itens que contribuam para o exercício do ministério bíblico.

Acima de tudo, o ministério exige vocação de Deus. Como sugeriu Calvino:

Deve-se notar […] que nem todos estão qualificados para o ministério da Palavra. Este requer uma vocação especial. Aqueles que acreditam que estão bem qualificados devem revestir-se de especial cuidado para não assumirem o ofício sem a vocação.[37]

Deus é quem concede pastores a sua igreja (Jr 3.15). Estes devem amar e velar pelas almas sob seus cuidados. Como corpo de Cristo, a igreja precisa considerar e obedecer aos seus guias, enxergando-os como irmãos, sujeitos a fraquezas e, no entanto, chamados para um serviço de grande responsabilidade (Hb 13.7, 17).

Notas

[1] SPURGEON, Charles. The All Around Ministry, apud STITZINGER, James F., O Ministério Pastoral na História. In: MACARTHUR JR., John. (Ed.). Ministério Pastoral: Alcançando a Excelência no Ministério Cristão. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2004, p. 75.

[2] BEYREUTHER, E. Pastor. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. (Ed.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1587. v. 2.

[3] BEYREUTHER, op. cit., p. 1587-1588.

[4] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 539.

[5] CURRY, Allen. Apostila da Disciplina Teologia de Ministério. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 2003, passim.

[6] STITZINGER, James F. O Ministério Pastoral na História. In: MACARTHUR JR., John. (Ed.). Ministério Pastoral: Alcançando a Excelência no Ministério Cristão. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2004, p. 54-58.

[7] STITZINGER, op. cit., p. 57.

[8] Confissão de Fé Escocesa. Cap. 22: Da Reta Administração dos Sacramentos. In: LUZ PARA O CAMINHO. Disponível em: <http://www.luz.eti.br/do_confissaoescocesa1560.html>. Acesso em: 17 jun. 2016.

[9] Segunda Confissão Helvética. In: BEEK, Joel R.; FERGUSON, Sinclair B. (Org.). Harmonia das Confissões Reformadas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 196.

[10] SCH, XVIII.1, loc. cit.

[11] Ibid., XVIII.2, p. 198.

[12] Ibid., XVIII.10, p. 201.

[13] Ibid., loc. cit.

[14] Ibid., XVIII.15, p. 202.

[15] Ibid., loc. cit.

[16] Ibid., XVIII.16, p. 202.

[17] POLICARPO, A Carta de Policarpo, Bispo de Esmirna, aos Filipenses 6.1,3. In: Clássicos da Literatura Cristã: Pais Apostólicos; Confissões; Imitação de Cristo. São Paulo: Mundo Cristão, 2015, p. 81.

[18] STITZINGER, op. cit., p. 58-62.

[19] Ibid., p. 62-65.

[20] Ibid., p. 65-72.

[21] BAXTER, Richard. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 29.

[22] STITZINGER, op. cit., p. 72. Baxter utiliza especialmente as segundas e terças-feiras; cf. BAXTER, op. cit., p. 28.

[23] Ibid., p. 81.

[24] Ibid., loc. cit.

[25] Ibid., p. 82.

[26] Ibid., loc. cit.

[27] Ibidem.

[28] Ibid., p. 82-83.

[29] Ibid., p. 83-85.

[30] Ibid., p. 85-92.

[31] BUNYAN, João. O Peregrino ou a Viagem do Cristão à Cidade Celestial. 19. ed. São Paulo: Imprensa Metodista, 1992, p. 49-50.

[32] PETERSON, Eugene. Um Pastor Segundo o Coração De Deus. Rio de Janeiro: Textus, 2000, p. 138.

[33] PETERSON, op. cit., p. 141.

[34] cf. CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, IV.III.16, v. 4; Constituição Interna da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB). In: SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL (SC/IPB). Manual Presbiteriano Com Notas Remissivas. Reimp. 2015. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, Art. 28, p. 21.

[35] CI/IPB, § 2º ao Art. 27; cf. Art. 38.

[36] Modelo de Estatuto Para Uma Igreja Local. In: SC/IPB, op. cit., Parágrafo único do Art. 3, p. 228.

[37] CALVINO, João. Romanos. São José dos Campos: Editora Fiel, 2014, p. 52. 2Mb; ePUB — (Série Comentários Bíblicos).

Referências bibliográficas

BAXTER, Richard. Manual pastoral de discipulado. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

BEEK, Joel R.; FERGUSON, Sinclair B. (Org.). Harmonia das confissões reformadas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Edição revisada e ampliada. 2. ed. São Paulo; Barueri: Cultura Cristã; Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

BUNYAN, João. O peregrino ou a viagem do cristão à cidade celestial. 19. ed. São Paulo: Imprensa Metodista, 1992.

CALVINO, João. As institutas: Edição clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. v. 4.

__________. Romanos. São José dos Campos: Editora Fiel, 2014. 2Mb; ePUB — (Série Comentários Bíblicos).

COENEN, Lothar; BROWN, Colin. (Ed.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2.

CLÁSSICOS DA LITERATURA CRISTÃ: PAIS APOSTÓLICOS; CONFISSÕES; IMITAÇÃO DE CRISTO. São Paulo: Mundo Cristão, 2015.

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CURRY, Allen. Apostila da disciplina Teologia de Ministério. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 2003.

MACARTHUR JR., John. (Ed.). Ministério pastoral: Alcançando a excelência no ministério cristão. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2004.

PETERSON, Eugene. Um pastor segundo o coração de Deus. Rio de Janeiro: Textus, 2000.

SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual presbiteriano com notas remissivas. Reimp. 2015. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

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