Transcrição de palestra do Rev. Sang Sub Yoo, em viagem à Coreia do Sul, em 2013.
Eu já tinha ouvido o Pr. Sang Sub Yoo quando esteve no Brasil em 1998, como preletor de um Congresso da IPB em Salvador, BA. Na ocasião, ele falou sobre a vida de oração de Jesus e da igreja em Atos. Eu guardo com carinho as anotações daquelas preleções. Louvei a Deus ao me encontrar com ele em Seul, Coreia do Sul, em 2013, quando ele ministrou sobre a parábola do semeador, em Mateus 13, Marcos 4 e Lucas 8.
Uma parábola, conforme nos explicou o Rev. Yoo, não é uma ilustração. Uma ilustração esclarece uma verdade geral, ao passo que uma parábola esclarece uma verdade para os discípulos, ao mesmo tempo que a torna obscura para os que não são discípulos. Esta descrição surpreendente deflui de Mateus 13.10-17. Confiramos isso na exposição bíblica do Rev. Yoo.
Jesus não iniciou seu ministério com parábolas; ele começou a utilizá-las no contexto de seu ministério na Galileia. Não há parábolas antes de Mateus 13 (acerca dos ditos do Sermão do Monte, o Pr. Yoo explicou adiante). Em Marcos, as parábolas precedem o fim de seu ministério na Galileia. Antes das parábolas, o que encontramos são muitos milagres e instruções de Jesus sobre o reino de Deus. Nesse contexto, destaca-se o “ouvido” e o “olho” — ouvir e ver. Nosso Redentor fez com que as pessoas ouvissem e vissem as coisas concernentes ao reino de Deus. No centro do reino de Deus está a sua bendita pessoa fazendo e ensinando! Isso me fez lembrar de Atos 1.1. As pessoas podiam ver e sentir que, através de Jesus, o reino de Satanás estava sendo destituído. Elas ouviam sobre as verdades relativas à soberania do Rei Jesus. Nem todas, porém criam. Daí o cumprimento da profecia de Isaías (as pessoas viam sem enxergar, e escutavam sem ouvir). Se todas tivessem entendido claramente estas coisas, não haveria a necessidade de parábolas. Todo o foco da obra de Cristo tinha como foco central destruir o reino de Satanás e construir o reino de Deus. Eu entendi isso como um poderoso link com a promessa de Gênesis 3.15.
Quanto ao reino de Satanás, qual é a sua extensão? Começou na Queda de Adão e se estendeu até a vida de Jesus. Até hoje este reinado de Satanás não foi completamente destruído. Todos os reinos da história passaram por ascensão e queda, mas o reino de Satanás insiste em permanecer. Em sua primeira vinda, Jesus iniciou a destruição do reino de Satanás. Ele iniciou algo grandioso, mas muitas pessoas não “viram”. Os líderes religiosos chegaram ao ponto de criticar Jesus.
Exatamente por isso, Jesus começou a ensinar por parábolas. No Sermão do Monte, por exemplo, sublinha-se o tema do reino de Deus (Mt 5—7). Nos capítulos 8 e 9 de Mateus, Jesus mostrou o reino. Ele realizou milagres — demonstrações do poder do reino de Deus. Seu ministério foi mostrar o reino de Deus (aos olhos) e ensinar sobre ele (os ouvidos). Esse deve ser também o ministério dos discípulos de Jesus. O foco de Mateus 10.1-42 é simples: “o que vocês viram e ouviram, façam com que as pessoas vejam e ouçam de vocês”!
Quando as pessoas ouvem as notícias do mundo, seus ouvidos estão “abertos”. Ao ouvir a Palavra de Deus, porém, elas não podem entender. Elas se emocionam com as coisas do mundo e não com as coisas de Deus.
Eis o objetivo da parábola do semeador. Se nós não ouvirmos bem sobre o reino de Deus, teremos problemas sérios. Daí a ênfase de nosso Senhor: “aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 13.9; cf. Mc 4.9; Lc 8.8). Jesus não diz: “aquele que tem olhos para enxergar, enxergue”. Tudo começa no ouvir, ou seja, naquilo que é processado pela mente. [Isso me fez lembrar de Romanos 10.17; primeiro ouvir, para que se possa entender o que se vê. Aqui o Pr. Yoo abriu uma porta preciosa para que entendamos a importância de uma correta interpretação da realidade; da formação de uma cosmovisão cristã].
Três expressões de Mateus 13.19 são dignas de nossa atenção. Primeiramente, “a todos”. Em segundo lugar, “não a compreendem”. Quando é que o diabo rouba a Palavra de Deus dos ouvintes? Olhemos para Marcos 4.15: “quando a ouvem”; em Mateus, lemos que é quando “não a compreendem”. Alguns a recebem (deles esta não é tirada). Outros a ouvem e esta lhes chega no coração, mas é arrebatada ali (cf. Lc 8.12)! Mateus destaca o “ouvir” e “não compreender”. Marcos, a ação de Satanás enquanto ouvem. Lucas sublinha o “propósito” da ação diabólica: “para que ouçam e não creiam”.
Vejamos a terceira expressão importante de Mateus 13.19, “arrebata”. Em Marcos lemos “tira” (Mc 4.15); Lucas traz “arrebata-lhes” (Lc 8.12). O sentido do vocábulo (harpazō) em Mateus é “arrancar” algo que está firmemente nas mãos. É tirar à força! Está acontecendo uma guerra! Satanás é o ladrão da Palavra de Deus! O objetivo dele é roubar a Palavra de Deus das pessoas!
O que aprendemos em Mateus? Confiramos o v. 13: “Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um”. Há uma ligação importante entre “ouvir” e “compreender”. E em Marcos 4.20? “Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem por um”. Há uma ligação entre “ouvir” e “receber”. Como receber bem a Palavra ouvida? Precisamos de compreensão espiritual. Marcos enfatiza outra fase, depois da de Mateus. “Receber” é precedido por “compreender”. E em Lucas 8.15? “A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança”. Há uma ligação entre “ouvir” e “reter”.
Mateus enfatiza a compreensão da Palavra (e isso é importante). O que acontece quando alguém recebe sem compreender? Ele de fato não a recebe, e esta não frutifica. Esta é a situação do “campo de pedra”. E há a possibilidade de receber somente um pouco; o “campo de espinhos”. Nós conhecemos muito sobre os quatro tipos de campo. Normalmente os abordamos falando sobre quatro tipos de corações, mas tal interpretação não é correta. A parábola não fala sobre a diferença entre diferentes campos, e sim, sobre as diferenças de compreensão da Palavra.
No caso do primeiro solo, a Palavra não entra na cabeça; não há compreensão. No “solo de pedra” a Palavra é recebida de maneira egoísta. Por isso é também descartada rapidamente. O ouvinte expressa muita alegria e efusividade, mas quando surge o primeiro problema, a Palavra é jogada fora. A recepção da Palavra ocorre conforme os olhos de cobiça e voracidade. Esta é uma compreensão defeituosa. No “solo de espinhos”, os valores do mundo são mais fortes do que os da Palavra. O ouvinte escolhe os valores do mundo. O que é maior, o mundo ou a Palavra de Deus? Esta é, também, uma compreensão defeituosa.
O primeiro campo “não tem mente”; o segundo “parece ter mente”, mas é uma “mente egoísta” (o modo de pensar próprio do homem, imposto à religião); o terceiro campo “compreende um pouco”, mas troca os valores da Palavra pelos do mundo. Não se trata de quatro tipos de coração, e sim, quatro tipos de entendimento. Entre estes só um é válido: o que compreende a Palavra e dá frutos conforme a Palavra.
Hoje os crentes não ouvem a Palavra de Deus, ou ouvem sem interesse em entender. Alguns assumem uma vida devocional, leem toda a Bíblia em um ano e até jejuam, mas não se preocupam em entender a Bíblia. Leem-na para cumprir um voto ou assumem um objetivo só de ouvir, mas não de entender. Quando as pessoas lidam com a Bíblia assim quem fica feliz? Satanás! Melhor do que isso é a pessoa que busca entender a Palavra. Ler da perspectiva de Cristo e de Deus, não com perspectivas próprias. Quem não faz assim, depois de um tempo, joga a Palavra fora. É impossível corrigir o coração de uma pessoa, sem antes corrigir a compreensão dela.
O que dizer do pregador que prega a Palavra sem entendê-la antes? Será que o crentes a entenderão? Pastores devem se dedicar para entender a Palavra, antes de pregá-la ao povo de Deus. Os dois verbos no grego estão ligados a um só sujeito! Os cinco primeiros livros da Bíblia — que abrem a Escrituras e fundam Israel — contêm a Lei de Deus. Mateus, que abre o NT, destaca a necessidade de entendimento.
Você, pregador, transmite a Palavra de modo que seus ouvintes entendam? No Evangelho de João Jesus está sempre recolocando suas palavras, de modo que os discípulos possam compreendê-lo. Mas entendamos que isso é só o começo. Ninguém pode dizer que, por ter a fundação, já tem a casa inteira. A compreensão é a fundação da casa, mas trata-se de um primeiro passo.
Na parábola do semeador, a semente é a Palavra de Deus. O crente é feito a partir do entendimento da Palavra de Deus. Ela chega até nós como uma pequena semente. Na parábola que se segue — a do joio (Mt 13.24-30) — a pequena semente não é a Palavra de Deus, mas a pessoa que recebe a Palavra de Deus. Isso é assim porque o crente que recebe a Palavra de Deus, se torna a própria Palavra de Deus. Ele recebeu a Palavra em sua mente, em seguida, ela desceu para seu coração e, finalmente, assumiu toda a sua vida. Nós nos tornamos um todo da Palavra de Deus. Isso fala do crescimento do crente e da igreja.
É sob esta luz que devemos entender o crescimento da igreja da Coreia do Sul. O evangelho chegou há cerca de 130 anos. A Bíblia chegou antes do primeiro missionário. Os coreanos receberam a Bíblia como a Palavra verdadeira de Deus. Um coreano leu a Bíblia, foi convertido, atravessou a fronteira com a China e se encontrou com um missionário, pedindo para ser batizado. No Japão, a Bíblia não foi recebida como Palavra de Deus. Por isso a igreja no Japão ainda não cresceu. Pensemos no decréscimo da igreja na Inglaterra. Isso ocorreu devido a duas influências. Primeiro, a da teoria da evolução. Segundo, do ataque crítico à inspiração e infalibilidade da Bíblia. A igreja precisa compreender a Bíblia como Palavra de Deus. O avivamento coreano ocorreu no contexto desta recepção da Bíblia como Palavra de Deus. O avivamento decorreu do ensino fiel do evangelho puro. Você já deve ter ouvido falar do avivamento de Pyongyang. As reuniões de estudo bíblico e oração duravam duas ou três semanas, mais ou menos de 1903 a 1910. Sem carro ou linha de trem, as pessoas viajaram o país a pé, a fim de chegar às igrejas de lá. Alguns missionários escreveram em seus relatórios daquela época que o povo coreano amava se reunir para estudar e orar, além de falar da Palavra aos não-crentes. A Bíblia deles era muito suja, porque eles ficavam muito tempo folheando e lendo. As páginas eram cheias de marcas de suor ou choro. Esse amor se tornou um fundamento para o avivamento coreano.
Não há como o crente compreender corretamente a Palavra de Deus e não mudar. Na Coreia do Sul, pastores descompromissados com a Palavra são repelidos pelos crentes e igrejas.
Há dez anos, eu fui convidado por um presbitério para falar em reuniões de avivamento que agregariam 30 igrejas. Eu disse a eles que deviam procurar outro preletor, porque eu não era um pregador famoso, nem mestre de oratória. Mas eles disseram que me convidaram exatamente por isso. Foi um congresso de verão, no interior, há cerca de três horas de Seul. Haviam muitas pessoas com mais de 50 anos. Eu separei um tempo para orar pedindo a direção de Deus e preguei três vezes por dia durante quatro dias. As pessoas, mesmo as mais idosas, respondiam com “amém”, recebendo fervorosamente a Palavra de Deus.
A Palavra de Deus é poderosa. Quando nós pregamos a Palavra de Deus, o Espírito Santo opera. Quando oramos, Deus começa a transformar as pessoas. Nós estamos apoiando a obra missionária em Maharashtra, na Índia, um estado com mais de 100 milhões de habitantes. Nossa estratégia missionária é capacitar pastores com a sã doutrina, para que estes conheçam e preguem fielmente a Palavra de Deus. Fazemos assim porque semeando a verdadeira semente do jeito certo, a planta cresce. No momento próprio a Palavra frutifica.
Vejamos a parábola do semeador em Marcos 4. Leiamos o v. 13: “Então, lhes perguntou: Não entendeis esta parábola e como compreendereis todas as parábolas?” Ele se refere especificamente à parábola do semeador. Se você não compreender esta parábola, não compreenderá as outras parábolas! Olhemos para o v. 3: “Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear”. Só Marcos destaca esta palavra (akouō, “ouvi”; também no final, no v. 9). Notemos ainda o v. 20: “Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem por um”. O ouvir de maneira própria a Palavra é a base para sua compreensão e recebimento. Não ouvir levianamente, nem segundo os nossos pressupostos.
Na Coreia do Sul há um feedback imediato da pregação. O povo diz “amém” quando compreende. Em Marcos, a palavra “receber” (paradechomai, v. 20) é muito importante. Trata-se de receber algo porque é muito bom; não uma recepção qualquer, mas de algo que é excelente para a pessoa; ela não recebe só com a mão, mas com todo o seu ser e vida. O termo ocorre somente seis vezes no NT e em Marcos, somente aqui.
Receber de verdade a Palavra de Deus não é algo comum. Não é um “amém” ligeiro ou concordância rala. Notemos Atos 15.4: “Tendo eles chegado a Jerusalém, foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e pelos presbíteros e relataram tudo o que Deus fizera com eles”. Aquela foi uma recepção importante, coletiva e oficial. Vejamos ainda Atos 16.21: “propagando costumes que não podemos receber, nem praticar, porque somos romanos”. Nesse caso, receber a palavra do evangelho seria contrário às leis, ou seja, ilegal. Outra referência que devemos conferir está em Atos 22.18: “e vi aquele que falava comigo: Apressa-te e sai logo de Jerusalém, porque não receberão o teu testemunho a meu respeito”. E em 1Timóteo 5.19: “Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas”.
Depois de ouvir a Palavra, o legal, justo e correto é recebê-la. É ilegal não recebê-la. O recebimento envolve obrigação jurídica! Isso me fez pensar que há obrigações implícitas no recebimento da Palavra, ou seja, a palavra libertadora do evangelho convoca o crente à obediência do evangelho!
Isso é diferente do termo usado do v. 16, lambanō, que tem o sentido de receber de maneira comum. Na verdade, a semente é recebida com um sorriso — com “alegria”. O vocábulo ocorre 258 vezes no NT; em Marcos ele está presente 20 vezes em 16 capítulos). [É a mesma palavra de João 1.14; em João 1.11 encontramos paralambanō, mas o caráter do Quarto Evangelho é diferente, conforme me explicou o Pr. Yoo.]
As pessoas do solo rochoso enganam. Recebem a Palavra com um sorriso, mas não há mudança. Recebem superficialmente, como um passatempo. Você não pode receber a Palavra de Deus como você recebe um presente qualquer — por exemplo, uma garrafinha d’água — de alguém. A Palavra deve ser recebida com todo o ser, com toda a vontade. E a razão para isso encontra-se na própria Palavra de Deus. Você obedece o sinal de trânsito porque é bom obedecer ou porque está sujeito a multa? Nós obedecemos porque a desobediência é ilegal e a ilegalidade produz penalidade. É assim que devemos receber a Palavra de Deus. Como um solene peso espiritual, legal e moral. Receber a Palavra de Deus porque ela vai ser útil para você não é receber a Palavra de Deus. Ele deve ser recebida pelo que ela é — verdade absoluta.
É fácil distinguir entre quem crê e não crê. Basta verificar se ela recebeu nos termos do verbo paradechomai ou não. Essa é a diferença entre o crente e o não-crente. Os registros de conversão em Atos contêm esta palavra (At 2.41; os judeus; apodechomai; sem o “para”, mantendo o significado de recebimento devido). Cf. Atos 8.14 (dechomai) referindo-se aos samaritanos. Trata-se de receber a Palavra no início e continuar recebendo para o crescimento espiritual. Em Atos 11.1, lemos sobre a fé dos gentios (novamente dechomai). Acreditar em Jesus não é ter alegria momentânea, nem sustentar posições pessoais, nem mesmo meramente receber uma bênção.
Leiamos 1Tessalonicenses 2.13: “Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido [paralambanō] a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes [dechomai] não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes”.
O entendimento em si não muda o coração. Aqui entra a importância da oração, para que aquilo que entendemos faça raízes no coração. É problema receber a Palavra e não orar, mas também é problema orar sem a Palavra. As duas coisas estão relacionadas; quando compreendemos a Palavra, define-se o assunto pelo qual devemos orar.
Se isso é assim, quem mais precisa orar é o pastor. De Mateus para Marcos, somos levados da compreensão para o lugar da oração. Entendemos esse processo? Sem isso, não há transformação. É preciso ouvir a Palavra e, em seguida, orar a Palavra.
Para concluir, temos de ensinar somente a Palavra de Deus. É preciso ajudar as pessoas a compreenderem somente a Palavra de Deus. Elas têm de aceitar a Palavra de Deus. E nesse processo de recepção da Palavra de Deus elas têm de orar.
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