Introdução
Alguns estudiosos (piedosos, eruditos e de comprovada dedicação ao pastoreio de igrejas) argumentam que, biblicamente, é incorreto cogitar sobre cultos on-line.[1] O propósito deste post não é contestar levianamente a posição deles, mas sugerir uma abordagem a partir de um ponto novo, que é a mudança ocorrida, na era digital, dos conceitos e experiência de realidade, presença e lugar.
Estas anotações são desenvolvidas assumindo-se como pressuposto que a mudança nos conceitos de realidade, presença e lugar, engendrada pelas tecnologias digitais, abre espaço para uma abordagem tanto nova quanto fiel dos textos bíblicos que ensinam sobre o Culto Público, tornando biblicamente defensável e plausível sua prática sem implicar heterodoxia e com total consideração pelos Símbolos de Fé e Princípios de Liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil (PL/IPB), para a glória de Deus e bem do seu povo.
1. Pontos de convergência
Concordamos com grande parte do conteúdo exegético, interpretações e aplicações dos textos bíblicos e Símbolos de Fé sugeridas nas postagens dos ilustres irmãos. Para começar, todas se alinham ao que consta nos Princípios de Liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil (PL/IPB).
Art. 7º O culto público é um ato religioso, através do qual o povo de Deus adora o Senhor, entrando em comunhão com ele, fazendo-lhe confissão de pecados e buscando, pela mediação de Jesus Cristo, o perdão, a santificação da vida e o crescimento espiritual. É ocasião oportuna para proclamação da mensagem redentora do Evangelho de Cristo e para doutrinação e congraçamento dos crentes.
Art. 8º O culto público consta ordinariamente de leitura da Palavra de Deus, pregação, cânticos sagrados, orações e ofertas. A ministração dos sacramentos, quando realizada no culto público, faz parte dele.[2]
Ademais, os pontos de vista são indiscutivelmente bíblicos e abençoadores quando afirmam que:
- O Culto Público, que inclui a Ceia do Senhor, requer o povo de Deus reunido em um lugar.
- A situação da Igreja Cristã, durante a pandemia da COVID-19, faz lembrar do tempo em que os crentes de Judá foram submetidos ao cativeiro babilônico, abrindo-se oportunidade para arrependimento profundo e lamentação sincera.
- Em vários aspectos, as experiências proporcionadas pelas tecnologias digitais não apenas são diferentes, mas ficam aquém daquelas propiciadas por contato físico imediato. Nada se compara a estar com pessoas de carne e osso em um lugar físico orando, recebendo a Palavra de Deus e os sacramentos, podendo olhar no olho, tocar (pegar na mão, abraçar) e louvar em meio à “multidão poderosa” (Sl 35.18; 84.1-4; 133.1-2; At 2.42-47). Nem sempre o digital substitui o analógico. Interagir com uma pessoa diretamente é muito mais rico do que à distância, por mais que utilizemos excelentes recursos da tecnologia digital.
Até aqui estamos juntos, pensando “tal e qual”. E a partir daqui, sugerimos um ponto novo.
2. O ponto novo: na era digital mudaram os conceitos e a experiência de realidade, presença e lugar
Na era digital, mudam os conceitos e a experiência de realidade, presença e lugar.
O Dicionário Aurélio define realidade como “qualidade de real; aquilo que existe efetivamente”. Presença é “o estar uma pessoa em lugar determinado” e lugar é “espaço ocupado; sítio”.[3] A evocação de concretude destes vocábulos recebe nova configuração na era digital. Até agora, estas palavras quase sempre apontavam para coisas concretas, palpáveis e imediatas, mas isso mudou.[4]
2.1. O novo conceito e experiência de realidade
A era digital recupera e expande o sentido escolástico[5] de virtualidade. Como resultado, por conta das tecnologias digitais, virtualidade passa a corresponder a realidade.
Pierre Lévy explica que na concepção escolástica, “virtual” não significava algo falso, mas algo fecundo e que antecipava o “real”:
A palavra virtual vem do latim virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes.[6]
Cristãos reformados fazem uso de analogia semelhante em sua doutrina da revelação progressiva e orgânica das Sagradas Escrituras. O evangelho está contido no Antigo Testamento em potência (como semente, virtualmente). A árvore está contida na semente; as partes da revelação se relacionam mutuamente, ou como diz Geerhardus Vos, “o progresso orgânico vai do estado germinal até atingir o crescimento pleno; mesmo assim, nós não dizemos que, qualitativamente, a semente é menos perfeita do que a árvore”.[7] Dito de outro modo, de acordo com os escolásticos, corroborados por Vos, o virtual (em potência) não é menos perfeito do que o atual (realizado).
Apesar disso, no entendimento popular, ganhou força a ideia de que virtual não corresponde a real. Isso se deu especialmente depois que Jaron Lanier cunhou a expressão “realidade virtual”, aplicada primariamente aos games e aplicativos de efeitos especiais e renderização de vídeo.[8] Virtual passou a ser sinônimo de “simulacro”, um ambiente alternativo que se apresenta a nós apenas “aparentando” ser real, como enganação sofisticada. Se tornou comum, a partir daí, a apresentação de um falso dilema, virtual versus real, considerado por Lévy como uma “oposição fácil e enganosa entre real e virtual”.[9]
O mais adequado, segundo Lévy, é compreender virtual não como sinônimo de falso ou irreal, mas como um novo “modo de ser”, como segue, “trata-se […] de um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a platitude da presença física imediata”.[10]
O leitor atento percebe o alcance disso. O digital engendra uma ontologia — uma metafísica.[11] E o digital concebe uma nova corporalidade ao “perfurar poços de sentido sob a platitude da presença física imediata”. O que significa “presença física imediata”? Lévy está falando sobre nossa experiência corpórea cotidiana — uma experiência física “próxima”, sem “permeios” ou “mediações”.[12] O corpo físico se move, vê, sente e toca imediatamente. No digital ele também se move (o digital propicia movimento), vê (o digital propicia visão), sente (o que vivenciamos no digital produz sentimentos) e toca (por meio de digitação e cliques, são produzidas ações reais). Mas tudo isso mediatamente, ou seja, mediado pela tecnologia.
Pode parecer assustador. Ou complicado demais. Ou mero modismo ou devaneio, que não exige esforço teológico. O fato é que estamos diante de uma questão premente, sobre o Culto Público, que exige articulação que leve em conta essa alteração do estado das coisas, essa metamorfose cultural, civilizatória, encaminhada pelas tecnologias digitais. Sendo assim, precisamos de mais teólogos reformados se debruçando sobre o tema da cultura digital. O desafio prático disso começa a aparecer agora e a Igreja de Jesus Cristo continuará sendo provocada em outros tópicos, práticas e frentes.[13]
Podemos negar isso, mas está acontecendo. É real. Eleições e referendos, em todo o mundo, são influenciadas pelo digital, especialmente pelas redes sociais.[14] Famílias e indivíduos se reaproximam ou se afastam, com base em interações em aplicativos de mensagens. Pela rede visitamos lojas, museus e cidades. Compramos e vendemos. Transferimos dinheiro. Atualizamos cadastros e declaramos nosso imposto de renda. O digital afeta o aspecto modal ético. E até o aspecto modal jurídico opera, hoje, no digital.[15] Trocando em miúdos, experimentamos cada vez mais a virtualização das coisas, inclusive das comunidades, como preconizou Lévy:
Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar juntos, a constituição do “nós”: comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual.[16]
Digital e concreto agora se entrelaçam. Uma reunião virtual é uma reunião real. Conselhos de igrejas que se reúnem com aplicativos de videoconferência, realizam reuniões concretas, válidas eclesiástica e constitucionalmente.
A validade tem relação com o quórum, uma vez que a presença em tais reuniões é legitimada juridicamente. Por exemplo, a Câmara dos Deputados e o Senado do Brasil realizam sessões virtuais que possuem peso jurídico, ou seja, aquilo que deliberam vale para o Brasil.
Sendo assim, já não cabe mais falar de reunião on-line versus reunião presencial, pois os Deputados e Senadores estão, de fato, presentes em um mesmo lugar, quer dizer, tais reuniões são presenciais, ainda que a presença seja on-line. O digital nos coloca diante de um novo conceito e experiência de presença.
2.2. O novo conceito e experiência de presença
A presença do ser humano no espaço digital é concreta, pelo fato da rede registrar onde estamos (ou estivemos).
Sem entrar em detalhes técnicos, apontamos para o “Histórico” dos navegadores web (Microsoft Edge, Google Chrome, Firefox, Opera, Safari etc.). Um histórico mapeia os “lugares” que “visitamos”. A tecnologia digital não apenas permite, mas registra que nós fomos a determinados lugares. Estivemos de fato lá, como indivíduos que respondem diante de leis civis e penais. A visita a uma rede social ou site consigna nossa “presença” naquela rede ou site.
Ancoradas nesta “presença” as autoridades identificam e neutralizam hackers, fraudadores e criminosos sexuais. Um contraventor não pode alegar que ele próprio não esteve em determinado “lugar na rede” onde se praticou contravenção, porque sua conexão apenas on-line não correspondeu a presença física. Juridicamente, presença virtual implica presença real.
As tecnologias digitais alteram o conceito e a experiência de presença. Irreversível e definitivamente. E fazem o mesmo quando nos referimos a lugares.
2.3. O novo conceito e experiência de lugar
A rede digital é um lugar. Ao entrar na rede nós entramos em um “ambiente”, um lugar, aliás, as metáforas “entrar”, “sair”, “ir para”, “acesse nosso conteúdo em”, “hospedagem”, “localização”, “endereço” e “sítio” (site) evocam a ideia de lugar.
Quase três décadas atrás, chamávamos a internet de “supervia” ou “superestrada de informação” (literalmente, informational highway), porque a entendíamos como uma estrada que nos levava a lugares. Pela rede, uma pessoa de verdade vai até — se faz presente em — determinado lugar. Exatamente por isso, os verbos “andar”, “se deter” e “se assentar”, de Salmos 1.1, são perfeitamente aplicáveis a cada conexão nossa na internet.
Isso é assim porque a internet possui endereços. O nome pomposo disso é “URL”, Uniform Resource Locator ou Localizador Uniforme de Recursos. URL é o lugar onde você encontra qualquer coisa na rede, por exemplo, www.ipbriopreto.org.br é o endereço do site da Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto e www.youtube.com é o endereço do site do YouTube. Um endereço é um lugar e aquilo que chamamos de link é uma ligação com um endereço — a especificação de um destino a ser visitado. Clicar em um link equivale a sair de um lugar e ir para outro.
Mais do que isso, cada dispositivo que usamos — smartphone, tablet, computador ou SmartTV — possui uma identificação (que registra nossa presença) e um endereço (que informa sobre nossa localização).[17] E cada rede social ou canal de vídeo que acessamos também possui sua própria identificação e endereço. Quando dizemos “vamos entrar no site da igreja” ou “vamos clicar e acessar o canal de vídeos da igreja”, nós estamos saindo de onde estamos agora e indo para outra localização, onde não estávamos antes. Literal e virtualmente.
Quando pessoas acessam o site ou canal de vídeos da igreja ocorre uma reunião verdadeira, com a participação de pessoas verdadeiras, em um espaço público verdadeiro (um lugar). Tudo isso on-line e presencialmente (porque existe presença), ainda que mediata e virtualmente (por mediação digital).
Quando uma reunião deste tipo acontece, mesmo que sejam divulgados vários links, todos apontam para um link único, o lugar distinto e central, que “hospeda” ou “acolhe” os seres humanos de verdade que se encontram em uma comunhão de verdade, ainda que virtual. Todos estão vinculados uns aos outros em um lugar, para desfrutar de ou compartilhar uma experiência cristã. A tecnologia digital possibilita uma assembleia; a technē serve à ekklēsia que acessa um link.
Recapitulando, a tecnologia digital propicia uma experiência real, ainda que virtual, em que pessoas se fazem verdadeiramente presentes em um lugar.
3. As tecnologias digitais e o culto público
A possibilidade aberta pelo digital de realizar Cultos Públicos on-line contraria as prescrições bíblicas para o Culto Público? Entendemos que não. Podemos realizar Cultos Públicos on-line sendo fiéis à Palavra de Deus, aos Princípios de Liturgia, aos Símbolos de Fé e às deliberações conciliares da Igreja Presbiteriana do Brasil.
3.1. Presença e localização digitais no Culto Público
As postagens (mencionadas no início deste post) acertam quando argumentam que tanto o Culto Público quanto a Ceia do Senhor requerem pessoas de verdade reunidas em um lugar de verdade — gente de Deus respondendo a uma convocação solene, ajuntada em uma hora e espaço previamente determinados.
Como temos sugerido, os autores dos referidos textos não cometem erro na interpretação da Escritura, Símbolos de Fé e Princípios de Liturgia, mas se equivocam na interpretação da cultura e das tecnologias digitais.
Um culto on-line é uma reunião pública, que acontece de verdade em um lugar determinado (um endereço). Pessoas de carne e osso se conectam, ou seja, não apenas acessam um lugar, mas acessam umas às outras, quando entram no endereço divulgado (por isso se fala de rede). Ao clicar no link do culto elas se fazem presentes lá (no “lugar” de culto). Não se trata de realidade virtual que meramente simula o real, e sim de virtualidade que confirma o real — uma assembleia convocada com a finalidade de tributar ao Senhor a glória devida ao seu nome (Sl 29.1-2), seguindo uma liturgia alinhada ao Princípio Regulador de Culto, com todos os elementos prescritos nas Sagradas Escrituras, nos termos dos Artigos 7º e 8º dos Princípios de Liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil (PL/IPB).
Prestemos atenção: há uma convocação solene. Há o comparecimento do povo que constitui esta assembleia. Há um ato de adoração em um lugar devidamente configurado para tal finalidade. As pessoas se ajuntam em determinada hora, de livre vontade e por fé, para cultuar de verdade. Apesar de alguns sugerirem que nos cultos on-line transcorre apenas transmissão, o mais exato é dizer que neles ocorre, sim, participação, atos fidedignos de adoração que, ainda que mediados pelo digital, não deixam de ser autenticamente bíblicos, corporativos ou comunitários.
No Culto Público on-line a Palavra é pregada com fidelidade bíblica e na dependência do Espírito Santo. Cânticos, orações e ações de graças são elevadas a Deus com sinceridade de alma. A igreja é informada sobre necessidades missionárias e meios de dedicar ao Senhor os dízimos e ofertas. Profere-se a bênção apostólica após a oração final. A distância entre os corpos físicos é vencida pela proximidade digital. Os irmãos inclusive conversam entre si no início do culto se cumprimentando, e respondem à pregação e orações com “améns” e outras expressões de emoção ou louvor. Após o culto, eles continuam conversando (sobre o culto e vida comum) no grupo da igreja, utilizando aplicativos de mensagens.
Nada disso é falso. Nada disso é irreal. O que a Bíblia demanda como condição para o Culto Público não deixa de ser atendido, ainda que admitindo as limitações do meio digital. O ponto a destacar aqui é que o culto é uma experiência real para os crentes. Ocorre de fato. Adoramos a Deus unidos como um único corpo, no momento determinado dos cultos dominicais da igreja. Um culto on-line não é uma simples live ou devocional, com todo respeito às lives e devocionais. Realizamos o Culto Público cristão, bíblico, presbiteriano, para glória de Deus e edificação da igreja. Culto de verdade. On-line.
3.2. Um contexto não previsto no início da pandemia
No início das discussões sobre esse assunto, não se previa o que agora é configurado pela pandemia da COVID-19. Imaginava-se uma quarentena rápida, de poucos meses, porém, estamos diante de algo absolutamente novo.
Eis a novidade: igrejas estão reabrindo suas portas, retomando os cultos presenciais, enquanto o país ainda opera sob o protocolo da pandemia. Isso quer dizer que, na prática, alguns crentes retornarão aos cultos dominicais presenciais, enquanto outros não, pois os pertencentes ao grupo de risco não poderão comparecer.[18]
Isso configura uma demanda pastoral distinta e urgente. Eu não levantei esta questão no início da pandemia, mas apenas aqui e agora, porque entendia que, como diziam alguns, se a igreja retornaria à normalidade rapidamente, não haveria razão para contrapor os argumentos oferecidos pelos doutos irmãos. Mas o fato é que a pandemia não cessou e pode se estender por um período muito mais longo do que o desejado ou imaginado. E não se sabe quando as pessoas que pertencem ao grupo de risco se sentirão seguras para retornar aos cultos dominicais regulares das igrejas. Até mesmo algumas que não pertencem ao grupo de risco talvez demorem a retornar ao convívio físico nos cultos e outras atividades eclesiásticas.
Ademais, enquanto abrem suas portas e reiniciam seus cultos dominicais presenciais, as igrejas continuarão transmitindo tais cultos pela internet, abrindo espaço para duas questões.
Primeira questão. Será correto forçar as consciências daqueles que, mesmo sem pertencer ao grupo de risco, não se sentirem prontos para retomar o contato físico imediato com a igreja enquanto durar a pandemia (no retorno dos cultos presenciais) dizendo que a experiência on-line deles não é culto aceitável por Deus?
Segunda questão. Será correto afirmar que somente prestarão culto bíblico os crentes presentes no templo físico e que estarão excluídos do ato bíblico de culto os crentes — fiéis e sinceros, mas que pertencem ao grupo de risco ou se sentem inseguros, em razão da continuação da pandemia — que acompanharem o mesmo culto on-line? Se um crente ora durante um culto no templo e alguém que pertence ao grupo de risco acompanha on-line, de sua casa, e diz “amém”, este “amém”, dito por alguém que participa on-line, não pode ser considerado liturgicamente válido? Deus acolhe este “amém” como adoração ou não? Tal pessoa (que acompanha de casa, on-line) não está prestando um culto verdadeiro ao Senhor apenas porque, impedido por um protocolo sanitário, não pode estar presente no templo, reunido com pessoas fisicamente e sem mediação da tecnologia digital?
O mais bíblico e razoável é admitir que há Culto Público on-line no qual a comunhão de toda a igreja é consignada pelos membros presentes no templo físico e demais ajuntados no locus digital.
É claro que o Culto Público on-line não guarda qualquer semelhança com a prática espúria de convocar as pessoas a colocar um copo d’água sobre o rádio ou a TV. Isso configura superstição antibíblica e anticristã, enquanto o Culto Público on-line é realizado com toda solenidade e lastro na Sagrada Escritura, como Culto Público presbiteriano.
É claro que o Culto Público on-line não equivale a capitulação diante da ideia e prática dos desigrejados. Continua sendo salientada a singularidade, vivacidade e necessidade do vínculo (como membro), o compromisso com o sustento (dízimos e ofertas) e a dedicação às atividades da igreja local. Prestar serviço ou distribuir um recurso bíblico on-line não pode ser confundido com abrir mão do que declaramos no Credo apostólico: “Creio no Espírito Santo, na santa Igreja universal; na comunhão dos santos”.
É claro que o Culto Público on-line não substitui o culto presencial. Assim que passar o efeito de longo prazo da pandemia os crentes devem ser convocados, exceto os idosos e enfermos incapacitados, a participar do Culto Público presencial, que oferece experiência física e imediata. Como temos afirmado desde o início deste post, a experiência somente on-line é empobrecida. Não configura situação ideal. O digital jamais proverá algumas coisas que só podem ser plenamente desfrutadas física e imediatamente, tais como cumprimentar, tocar, abraçar e beijar.
Considerações finais
Conselhos de igrejas presbiterianas se empenham em tornar seus cultos acessíveis aos seus membros, visitantes e frequentadores. Mesmo antes da pandemia, algumas igrejas já transmitiam seus cultos pela web. Uma discussão zelosa e piedosa sobre os Cultos Públicos on-line foi iniciada logo nas primeiras semanas de isolamento social, por conta da COVID-19. Agora chegamos a um momento diferenciado em que reabrimos os templos, mas alguns irmãos ainda não podem comparecer fisicamente, impedidos por protocolos de saúde.
Vamos dizer aos membros da igreja — “rapazes e donzelas, velhos e crianças”, saudáveis e doentes — que nosso Senhor nos convoca a todos, a cada domingo, para oferecer a ele adoração “em espírito e em verdade” (Sl 148.12; Jo 4.23).
Oro para que o Senhor Jesus Cristo nos ajude a prosseguir firmes e fiéis no culto devido a ele, na dependência do Espírito Santo, para glória do Pai e bem da igreja.
Notas
[1] MAGALHÃES, Ageu. 10 Razões contrárias à ceia on-line. Disponível em: <https://www.facebook.com/RevAgeuMagalhaes/posts/2927265940629964/>. Acesso em: 25 mai. 2020; AQUINO, João Paulo Thomaz de. Ceia virtual on-line? Como a exegese pode ajudar nessa questão? In: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ). Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/ceia-virtual-on-line-como-a-exegese-pode-ajudar/>. Acesso em: 25 mai. 2020; CAMPOS JÚNIOR, Heber Carlos de. Em tempos de pandemia, como fica a comunhão? In: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ). Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/em-tempos-de-pandemia-como-fica-a-comunhao/>. Acesso em: 25 mai. 2020; VARGENS, Renato. A ceia do Senhor não pode ser celebrada pela internet. Disponível em: <https://pleno.news/opiniao/renato-vargens/a-ceia-do-senhor-nao-pode-ser-celebrada-pela-internet.html>. Acesso em: 25 mai. 2020; SWAIN, Scott R. Devemos transmitir a ceia do Senhor on-line? Disponível em: <https://coalizaopeloevangelho.org/article/devemos-transmitir-a-ceia-do-senhor-online/>. Acesso em: 25 mai. 2020; JAMIESON, Bobby. O batismo e a ceia do Senhor podem ser administrados online? Disponível em: <https://medium.com/@Caixa66/o-batismo-e-a-ceia-do-senhor-podem-ser-administrados-online-bobby-jamieson-b2f5e4c4f718>. Acesso em: 27 mai. 2020.
[2] SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Princípios de liturgia [PL], Art. 7º e 8º, p. 184-193. In: Manual presbiteriano. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.
[3] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário eletrônico Aurélio. Curitiba: Positivo Informática Ltda., 2009. CD-ROM.
[4] Ancorados nas Sagradas Escrituras, os cristãos não abrem mão dos sentidos concretos propostos pelo Aurélio, ao mesmo tempo em que falam sobre “coisas” e até “presenças” imateriais, bem como sobre céu e inferno, se referindo a estados espirituais como “lugares” (e.g., céu e inferno).
[5] Escolástica é “a filosofia ensinada nas escolas e nos locais de instrução teológica da igreja durante o período medieval. Aproximadamente do século XI ao XVI, […] a escolástica foi a perspectiva dominante na Europa. Combinava doutrina religiosa […] e uma investigação filosófica e lógica […]” (BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 121-122).
[6] LÉVY, Pierre. O que é virtual? Reimp. 1999. São Paulo: Editora 34, 1996, p. 15. Grifo nosso.
[7] VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: Antigo e novo Testamentos. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 18. Grifo nosso.
[8] LANIER, Jaron. Gadget: Você não é um aplicativo! Um manifesto sobre como a tecnologia interage com nossa cultura. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 9. Admitimos aqui, uma simplificação. Antes de Lanier, o filósofo alemão Martin Heidegger advertiu contra o perigo de a tecnologia conduzir à realidade […] e que nós já não vemos o valor da realidade enquanto tal. Desse modo nós nos tornamos estranhos à realidade” (MITCHAM, Carl. Pensamento e tecnologia: Entre a análise e a crítica. In: VERKERK, Maarten J.; HOOGLAND, Jan; STOEP, Jan van der; VRIES, Marc J. de. (Org.). Filosofia da tecnologia: Uma introdução. Viçosa: Ultimato, 2018, p. 33). Stefano Quintarelli levanta questões sobre o que ele chama de “imaterialidade” da realidade, preconizada pela tecnologia digital; cf. QUINTARELLI, Stefano. Instruções para um futuro imaterial. São Paulo: Elefante, 2019. Todas as discussões, porém, não negam que o digital alterou o conceito e experiência de realidade, no sentido de virtual equivaler a real.
[9] LÉVY, op. cit., orelha do livro.
[10] Ibid., p. 12.
[11] Ontologia é um “termo derivado da palavra grega que significa ‘ser’, mas usado desde o século XVII para denominar o ramo da metafísica que diz respeito àquilo que existe” (BLACKBURN, op. cit., p. 274). Metafísica é “qualquer investigação que levante questões sobre a realidade” (ibid., p. 246).
[12] Imediato é o “que não tem nada de permeio; próximo”; cf. FERREIRA, op. cit., loc. cit.
[13] A convicção do autor destas anotações é que a temática da cultura digital é um dos grandes desafios para a Teologia e vida prática da igreja a partir de hoje e nas próximas décadas.
[14] KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018; ADAMS, Scott. Ganhar de lavada: Persuasão em um mundo onde os fatos não importam. Rio de Janeiro: Record, 2018; LANIER, Jaron. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. São Paulo: Intrínseca, 2018.
[15] A expressão “aspecto modal” foi cunhada por Herman Dooyeweerd, em sua filosofia da ideia cosmonômica. Simplificando, um aspecto modal é uma esfera daquilo que existe — da realidade. De acordo com Dooyeweerd, tudo o que existe foi criado por Deus e pode ser identificado em um de catorze ou quinze aspectos modais: 1. numérico, matemática; 2. espacial, linha ou extensão, geometria; 3. cinemático, movimento; 4. físico (energia), matéria, física e química; 5. biótico, vida, biologia, ecologia, bioquímica; 6. psíquico, sensorial, psicologia e educação; 7. lógico, análise ou diferenciação racional; 8. histórico, realização cultural, história e antropologia cultural; 9. linguístico, significado, semiótica, filologia e comunicação; 10. social, intercurso social, sociologia, urbanismo, ciências sociais; 11. econômico, gestão, administração e economia; 12. estético, harmonia, estética, arquitetura e artes; 13. jurídico, direito e ciência política; 14. ético, moralidade, ética social e bioética e 15. pístico ou fiduciário, certeza transcendental, teologias. Dooyeweerd afirma que cada aspecto do cosmos possui seu próprio nomos (lei e modus operandi estabelecidos por Deus criador). Cf. NASCIMENTO, Misael. “Cosmonomia e serviço Pastoral”. In: Somente Pela Graça. Disponível em: <https://www.misaelbn.com/cosmonomia-e-servico-pastoral/>. Acesso em: 26 mai. 2020; NASCIMENTO, Misael. Arte como esfera cosmonômica. In: Somente pela graça. Disponível em: <https://www.misaelbn.com/arte-como-esfera-cosmonomica/>. Acesso em: 26 mai. 2020.
[16] LÉVY, op. cit., p. 11.
[17] Cada smartphone, tablet, computador ou SmartTV possui uma espécie de impressão digital ou identidade única, denominada Mac Address (Media Access Control Address). Ao navegar por qualquer lugar na rede, sua presença é identificada pelo Mac Address de sua máquina. E cada concessão com a rede é identificada por um IP (Internet Protocol ou Protocolo de Internet). Um IP é uma identificação gerada a partir da conexão do seu dispositivo, mostrando de onde você está realizando a conexão.
[18] Pessoas gripadas, com baixa imunidade, pneumopatia (com asma, bronquite, DPOC, enfisema), diabetes, câncer (em quimioterapia ou radioterapia), doença renal crônica ou insuficiência renal crônica, cardiopatia, idade a partir de 60, pessoas (mesmo que assintomáticas) ou que tiveram contato com alguém que testou positivo para COVID-19 a menos de uma quinzena.
Referências bibliográficas
ADAMS, Scott. Ganhar de lavada: persuasão em um mundo onde os fatos não importam. Rio de Janeiro: Record, 2018.
AQUINO, João Paulo Thomaz de. Ceia virtual on-line? Como a exegese pode ajudar nessa questão? In: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ). Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/ceia-virtual-on-line-como-a-exegese-pode-ajudar/>. Acesso em: 25 mai. 2020.
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BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
CAMPOS JÚNIOR, Heber Carlos de. Em tempos de pandemia, como fica a comunhão? In: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ). Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/em-tempos-de-pandemia-como-fica-a-comunhao/>. Acesso em: 25 mai. 2020.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário eletrônico Aurélio. Curitiba: Positivo Informática Ltda., 2009. CD-ROM.
HENDRIKSEN, William. Mateus. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, v. 2. (Comentário do Novo Testamento). Logos Software.
JAMIESON, Bobby. O batismo e a ceia do senhor podem ser administrados online? Disponível em: <https://medium.com/@Caixa66/o-batismo-e-a-ceia-do-senhor-podem-ser-administrados-online-bobby-jamieson-b2f5e4c4f718>. Acesso em: 27 mai. 2020.
KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
LANIER, Jaron. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. São Paulo: Intrínseca, 2018.
LANIER, Jaron. Gadget: Você não é um aplicativo! Um manifesto sobre como a tecnologia interage com nossa cultura. São Paulo: Saraiva, 2010.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? Reimp. 1999. São Paulo: Editora 34, 1996.
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