A pedra e o limo

— por

Ir embora ou ficar? Bater asas ou criar raízes? Certamente, tudo depende da providência de Deus. No entanto, é sábio ouvir os sábios. Nesse sentido, fui agraciado com a leitura da crítica que, em Hereges, G.K. Chesterton faz ao poeta e escritor Joseph Rudyard Kipling (1865 – 1936).

Para Chesterton, “a grande lacuna” no intelecto de Kipling é sua “falta de patriotismo”, ou seja, a ausência da “faculdade de aderir, trágica ou derradeiramente, a alguma causa ou comunidade”. Kipling “é o mestre perfeito da suave melancolia com que um homem recorda ter sido cidadão de muitas comunidades, da suave melancolia com que o homem relembra ter sido amante de muitas mulheres”.

A partir deste ponto, somos enriquecidos pelo arrazoado longo que segue:

Assim, o Sr. Kipling certamente conhece o mundo; ele é um homem do mundo […]. Conhece a Inglaterra como um cavalheiro inglês inteligente conhece Veneza. Já esteve na Inglaterra muitas vezes; já a visitou por longos períodos, mas não pertence a ela, ou não pertence a qualquer outro lugar. A prova disso é que pensa na Inglaterra como um lugar. No momento em que nos enraizamos num lugar, a circunstância desaparece. Vivemos como uma árvore, com toda a força do universo.
O excursionista vive num mundo menor do que o camponês. Sempre respira um lar de localidade. Londres é um lugar a ser comparado com Chicago; Chicago é um lugar a ser comparado com Tombuctu. Mas Tombuctu não é um lugar, pois lá, ao menos, vivem homens que o consideram como o universo, e respiram, não um lar de localidade, mas os ventos do mundo. O homem no salão do navio a vapor viu todas as raças de homens, e pensa nas coisas que os dividem — dieta; vestimenta; compostura; anéis no nariz […] O homem na plantação de repolho não viu absolutamente nada; mas pensa nas coisas que unem os homens — a fome e os bebês, a beleza das mulheres e a promessa ou a ameaça do Céu. O Sr. Kipling, com todos os méritos, é um vagamundo; não tem a paciência de se tornar membro de alguma coisa. […] o cosmopolitismo é a sua fraqueza. Essa fraqueza está esplendidamente expressa num de seus melhores poemas, The Sestina of the Tramp Royal, em que um homem declara poder suportar tudo em termos de fome e horror, mas não a presença permanente num só lugar. Certamente há perigo nisso. Quanto mais morta, seca e empoeirada é uma coisa, mais ela viaja por aí. Isso acontece com a poeira, com a lanugem do cardo e com o Alto Comissariado na África do Sul. As coisas férteis são um pouco mais pesadas, como os pesados frutos das árvores na lama fértil do Nilo. No calor indolente da juventude, estamos todos predispostos a discutir as implicações daquele provérbio que diz que “pedra que muito rola não cria limo”. Estávamos inclinados a perguntar: “Quem quer criar limo, a não ser tolas senhoras idosas?” Por isso, começamos a perceber que o provérbio está certo. As pedras rolam, fazendo barulho de pedra em pedra, mas a pedra que rola está morta. O limo é silencioso porque está vivo.

Lembrei-me de meu pai, que citava muito o referido provérbio. Só lendo Chesterton descobri que o aforismo — “pedra que muito rola não cria limo” — é atribuído a Públio Siro (85 a.C. – 43 a.C.) e aparece pela primeira vez em inglês em 1546, creditado a Erasmo de Roterdã (1466 – 1536). Meu pai me surpreende e instrui, mesmo depois de morto.

Partir ou ficar? Bater asas ou criar raízes? Chesterton nos auxilia a considerar a questão mais detidamente.

Sem dúvida, é animador zunir ao redor do mundo num automóvel; sentir a Arábia como um redemoinho de areia e a China como uma torrente de campos de arroz. Mas a Arábia não é um redemoinho de areia, nem a China uma torrente de campos de arroz. São civilizações antigas, com virtudes estranhas, virtudes enterradas como tesouros. Caso desejemos entendê-las, não deverá ser com turistas ou pesquisadores; deverá ser com a lealdade das crianças e a imensa paciência dos poetas. Conquistar esses lugares significa perdê-los. Um homem na sua horta, com um mundo encantado além do portão, é um homem com grandes ideias. Sua mente cria a distância; o automóvel estupidamente a destrói.

A “lealdade das crianças e a imensa paciência dos poetas”. Isso me remete ao evangelho. Acolher ao Senhor como um menino. Servir ao Senhor com a alegre doçura da poesia.

Não quero ser pedra que rola; opto pelo limo. Não quero ser cosmopolita; abraço o “esplêndido provincianismo” de “sorriso divertido”. Que Deus me ajude, concedendo-me discernimento para sair, e, acima de tudo, sabedoria para ficar.

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