“Igreja reformada, sempre se reformando”. Este é o axioma da Reforma Protestante do Século 16, nem sempre bem compreendido. O Dr. Solano Portela, em palestra proferida no 6º Congresso de Avivamento, Santidade e Ação da IPB, chama a atenção para um perigo, que é imaginar que tal afirmação signifique uma abertura da Igreja às novidades doutrinárias e metodológicas
Existem três padrões para a Igreja hodierna, com relação à Reforma, quais sejam, novas igrejas evangelicais; igrejas reformadas nominais e igrejas autenticamente reformadas.
Novas igrejas evangelicais são as atuais igrejas fundadas por líderes carismáticos ou “apóstolos”, firmadas em modelos seculares de ministério, normalmente arminianas na doutrina e em sua maioria neopentecostais. Elas desconsideram não apenas a Reforma, mas qualquer aspecto da história da igreja e se veem como resultado de uma “nova visão” ou de um “último derramar do Espírito”. Falar de qualquer coisa que se firme em sistematizações doutrinárias reformadas é, para tais igrejas, totalmente fora de propósito.
Tais comunidades, ainda que estranhas a nós reformados, são consistentes. Elas se proclamam como herdeiras diretas dos apóstolos e da igreja do Novo Testamento e chutam o restante da história para o lixo. Mas isso é afirmado já em suas origens; elas nascem afirmando que não enxergam relevância no passado.
Igrejas reformadas nominais são aquelas vinculadas a denominações reformadas, mas que abraçam cegamente as metodologias e doutrinas das novas igrejas. Como estas últimas proliferam em grande número e causam impacto na mídia, ocupando o centro das atenções nos seminários de crescimento de igrejas, deseja-se reproduzir tais experiências nos contextos reformados. Pastores e conselhos acolhem formatos de ministérios que se chocam com as propostas bíblicas e confessionais, pulverizando a identidade denominacional. Ao serem questionados sobre as inconsistências de suas posições, os líderes de tais movimentos afirmam que não estão deixando de serem reformados; que, pelo contrário, o axioma da Reforma (igreja reformada sempre se reformando) é um estímulo para tais mudanças.
As igrejas autenticamente reformadas entendem que a premissa significa, literalmente, o retorno contínuo à Bíblia. Do ponto de vista doutrinário, significa a revitalização, a cada geração, das verdades da Reforma, sintetizadas nos símbolos de fé (catecismos e confissões de fé). Reformar é retornar às Escrituras tal qual foram entendidas pelos reformadores. Não é promover o novo, mas reafirmar, de forma viva, o “antigo” evangelho. Não é derrubar o edifício da fé, considerado decrépito, para erigir-se uma catedral moderna, firmada nos pilares da secularização e antropocentrismo, mas, pelo contrário, restaurar a construção original.
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) é uma “federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Antigo e Novo Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; [e que ] rege-se [por sua] Constituição” (CI/IPB, Art. 1). As igrejas locais definem seus ministérios a partir de uma estrutura na qual constam escola e culto dominicais, reuniões semanais de estudo bíblico e oração, bem como o serviço cristão nas sociedades internas. Cada igreja assume as doutrinas reformadas, funciona de acordo com a CI/IPB e integra-se ao todo nacional através de trabalhos federativos (União de Crianças Presbiterianas, UCP; União Presbiteriana de Adolescentes, UPA; União de Mocidade Presbiteriana, UMP; União Presbiteriana de Homens, UPH e Sociedade Auxiliadora Feminina, SAF). Isso torna possível frequentar, em momentos diferentes, uma igreja na grande São Paulo ou em “Rococó do Norte”, e encontrar em ambas os mesmos valores, crenças, liturgia e práticas de ministério – em outras palavras, identidade.
A má interpretação da premissa da Reforma, porém, tem transtornado isso. Como somos “reformados sempre se reformando” (dizem alguns) temos de abandonar o “velho” e abraçar o “novo”. Fora com as sociedades internas e com a escola dominical; agora, temos células, ministérios e escolas de líderes. Fora com os pontos de pregação e congregações; agora, temos igrejas-satélites. Fora com o Hinário; agora, temos os incríveis hits gospel dançantes dos adoradores extravagantes. Fora com as orientações “carnais” dos concílios; agora temos as poderosas visões dos líderes “ungidos”. Fora com a liturgia; fora com o batismo infantil; fora com tudo o que cheire a antigo. Somos a “nova IPB”; somos a nova (e desmiolada) geração. E adeus Igreja Presbiteriana do Brasil; adeus uniformidade metodológica; adeus confessionalismo; adeus sistema de governo conciliar; adeus Igreja Reformada, em nome da nova igreja, Igreja Deformada. Deus nos livre desse cavalo de Tróia que se auto-intitula “nova reforma” e que, travestido de presente dos céus, abriga um batalhão de destruição.
Sou favorável ao uso criterioso de novas metodologias tais como grupos pequenos e ministérios. Mas nada deve obscurecer o perfil tradicional, a identidade não apenas espiritual mas administrativa, metodológica e litúrgica da igreja. Viver a Reforma é compreender e desfrutar, nesta geração, das verdades da Escritura, tal como entendidas pelos reformadores. É praticarmos, com paixão, o sistema de governo defendido por Knox e Calvino. É retornar ao simples, àquilo que somos como IPB e, vigorosamente, pregarmos e vivermos o evangelho.
Mas será que isso “funciona”? Será que, sermos presbiterianos “à moda antiga”, é suficiente para que produzamos frutos? Há esperança para o crescimento da IPB, sendo simplesmente IPB, sem mesclagens espúrias?
Falarei sobre isso em outro texto (A coragem de ser simples). Aguardem.
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