Participei há alguns anos de uma reunião em que foram levantados problemas de igrejas e federações presbiteriais. Ações importantes não tinham sido realizadas por algumas sociedades internas, secretarias de causas e diretorias federativas. A maior parte da manhã foi ocupada com a tentativa de descobrir os culpados pelo ocorrido. Além disso, foram propostas soluções para cada dificuldade.
A intenção dos participantes era aperfeiçoamento o desempenho eclesiástico. O modo de tratamento do assunto, porém, revelou a existência de três paradigmas preocupantes. O conhecimento dessas formas de pensar e agir é importante para o desenvolvimento de melhores lideranças.
Misticismo, burocracia e clericalismo
Diante das falhas ou inoperância da igreja, responde-se errônea, ainda que apaixonadamente, com misticismo, burocracia ou clericalismo.
O paradigma místico
É preciso reter o que o misticismo tem de bom: sua ênfase na vida devocional profunda e sua busca de direção diária do Espírito Santo.
Os místicos têm a compreensão apurada de que Deus é o dono da igreja. Esta precisa aprender a depender do Espírito Santo e a caminhar segundo a direção e no poder do Todo-Poderoso. Nessa perspectiva, o corpo de Cristo precisa ser orante – uma geração que busca ao Senhor. Os místicos nos alertam para a verdade de que o cristianismo não é apenas um conjunto de dogmas ou uma confissão teórica; o evangelho não é mero discurso erudito, mas “poder de Deus” e “demonstração do Espírito e de poder” (Rm 1.17; 1Co 2.4-5). Quando nos esquecemos disso, a fé torna-se mero exercício teórico e destituído de vida.
O problema com o paradigma místico é seu simplismo e inconsistência doutrinária. Propõe-se, por exemplo, que a chave para o crescimento passa pelas vias do jejum, oração e manifestações contemporâneas de curas e sinais. É difícil, porém, comprovar que a existência de tais manifestações contribua, significativamente, para o desenvolvimento saudável da igreja. Israel no Antigo Testamento e a igreja de Corinto nos tempos apostólicos são exemplos bíblicos de que a experiência de milagres não corresponde, necessariamente, a um verdadeiro amadurecimento e consagração do povo de Deus.
É preciso reter o que o misticismo tem de bom: sua ênfase na vida devocional profunda e sua busca de direção diária do Espírito Santo. Isso, porém, sempre sob o signo do Sola Scriptura, resguardando-se a consonância com os símbolos de fé reformados e compreendendo-se que, com relação à saúde da igreja, a busca de Deus, fundamental, opera em conjunto com outros fatores também bíblicos e importantes.
O paradigma burocrático
Utilizo o termo burocracia em seu sentido lato, proposto por Max Weber, sem qualquer conotação pejorativa. Burocracia é o sistema administrativo em que a organização é articulada em buros, ou seja, departamentos, e a autoridade decorre não do carisma, mas do cargo ocupado pela pessoa.
Nesses termos, igrejas de qualquer confissão ou sistema de governo, até aquelas ditas “nascidas e impelidas somente pelo Espírito” são burocráticas: o ministério é realizado de acordo com algum tipo de divisão de tarefas e cargos.
A burocracia preconiza a eficiência, o modo certo de fazer as coisas segundo um regulamento assumido pela organização. A regulamentação é necessária; todas as igrejas, com o passar do tempo, desenvolvem sistemas reguladores para encaminhamento de seus processos de gestão. O contraponto disso é o perigo do apego excessivo aos rigores institucionais: em defesa da eficiência, perde-se eficácia, que é a capacidade de fazer as coisas de forma mais simples, prática e produtiva.
É inútil tentar combater a inoperância departamental com mais burocracia – entenda-se regulamentação. Isso significa que treinar os membros das igrejas nas regras burocráticas denominacionais é útil até certo ponto, mas o paradigma burocrático falha em perceber que os trabalhos nos departamentos das igrejas são realizados por pessoas. Seres humanos servem voluntariamente quando são devidamente motivados e até hoje jamais conheci alguém que tenha sido despertado para o ministério através de um novo regimento interno ou sanção estatutária.
Observe que os dois pontos de vista, místico e burocrático, são bem-intencionados, mas falham em pontos importantes.
O paradigma clerical
Pastores auxiliam os crentes e serem o que devem ser e a servirem como devem servir, como membros de um “corpo”. São ministros da Palavra, da oração e dos sacramentos, professores da Escritura e mentores espirituais que servem ao mesmo tempo em que dependem da atuação de cada cristão, em seu lugar devido, dentro do organismo eclesial.
A palavra clerical vem de “clero”, ou seja, o ministério ordenado da igreja. O clericalismo é uma ênfase exagerada no clero; a ideia de que a igreja é dividida em duas categorias de pessoas, os “ministros” (que são só os pastores) e os “leigos”.
Os defensores do modelo clerical afirmam que a solução dos problemas do ministério está na maior participação direta dos pastores nas atividades das sociedades. Os departamentos funcionam na medida em que os pastores envolvem-se pessoalmente em todos os seus eventos. Como os trabalhos federativos poderiam funcionar se, no último jantar promovido por uma das federações, alguns pastores estavam ausentes? Como a máquina eclesiástica pode movimentar-se sem o impulso primordial do líder pastoral?
Certamente não podemos negar um fato: há pastores relaxados no cumprimento da atribuição de cuidar do rebanho. Pastores são bispos, ou seja, supervisores. Precisam acompanhar a vida da igreja, tanto espiritual quanto no que diz respeito ao cumprimento da missão. Isso implica em saber como cada ministério ou departamento está trabalhando, em detectar pontos falhos e corrigi-los, em capacitar os santos para o serviço e em tomar providências para o aperfeiçoamento de todos os processos administrativos, institucionais e espirituais locais e conciliares. Nada menos do que isso é suficiente. Sem pastoreio amoroso, o povo se espalha e o serviço cristão definha (Ez 38.1-6; At 20.28-31; Ef 4.11-16).
O clericalismo, porém, carrega nas tintas ao atribuir aos pastores mais do que é devido. Igrejas exageradamente dependentes de seus pastores mantém-se imaturas. Pastores auxiliam os crentes e serem o que devem ser e a servirem como devem servir, como membros de um “corpo”. São ministros da Palavra, da oração e dos sacramentos, professores da Escritura e mentores espirituais que servem ao mesmo tempo em que dependem da atuação de cada cristão, em seu lugar devido, dentro do organismo eclesial. A igreja é um sistema interdependente, um corpo que, estando saudável, trabalha conjuntamente, segundo a “justa cooperação de cada parte” (1Co 12.12-27; Ef 4.16). Isso é assim porque todos os cristãos são sacerdotes, cada discípulo recebeu um ou mais dons espirituais para a adoração de Deus no cumprimento dos mandados da criação (Rm 12.1-8; 1Co 12.4-11; 1Pe 2.9; Ap 1.5-6).
É pueril atribuir aos pastores, isoladamente, a culpa das mazelas denominacionais. Parece-me muito mais grave a ausência de uma perspectiva mais bíblica da igreja e da liderança. Cabe aos pastores compreender a doutrina da Escritura sobre o assunto e, em seguida, ensinar ao povo. Os pastores serão mais efetivos na medida em que a igreja amadurece ao ponto de andar na dependência do Supremo Pastor. O zelo pastoral deve ser medido não pela participação do ministro em todas as atividades societárias (o que é humanamente impossível), mas em sua dedicação ao treinamento dos santos para o serviço.
Liderança de fé
Como vimos anteriormente, a maior parte dos crentes concorda que a liderança é fundamental para o desenvolvimento das igrejas. Infelizmente, porém, prevalecem mentalidades bem-intencionadas mas inadequadas no que diz respeito aos modelos abraçados pelos líderes pastorais ou de departamentos. Alguns defendem que a boa liderança concentra-se na busca de dons-sinais (os místicos); outros, nas regras organizacionais (os burocratas); outros, na exaltação não-bíblica do pastorado (os clericalistas). Todas essas abordagens produzem prejuízos na vida diária das igrejas, enfraquecendo-as e impedindo seu funcionamento nos moldes da Palavra de Deus.
Além de todas essas concepções errôneas, há o problema da liderança incrédula. Tenho me reunido com lideranças de diversas denominações ao longo desses anos e percebo que igrejas saudáveis são conduzidas por líderes que creem na bênção de Deus sobre o trabalho (Sl 90.16-17, 126.5-6; Rm 15.29; 1Co 3.6-9). Por outro lado, é improvável que igrejas avancem sob líderes negativistas.
Não me refiro a otimismo infantil ou desmiolado, mas à segurança decorrente das promessas de Deus relacionada ao reino e ao exercício do poder das chaves (Mt 16.18-19). Somos a igreja de Cristo, a assembleia dos que, mesmo cercados por adversidades, são “mais que vencedores” (Rm 8.37-39).
Aqui questiono a tônica pessimista de algumas reuniões de lideranças. Os problemas são listados, relatórios desanimadores são lidos e começam os discursos destacando o quão desastrosa está a situação da igreja. Termina-se em tom desalentado, os líderes atualizam o repertório de piadas religiosas enquanto tomam um lanche, despedem-se uns dos outros e retornam às comunidades locais murchos ao invés de motivados, arrotando desânimo ao invés de destilando fervor.
Se isso é assim a igreja vai mal porque seus líderes deixaram de crer; tornaram-se especialistas em relatar desgraças ao invés de enxergarem, nos detalhes da vida eclesiástica, as delicadas e nem por isso menos poderosas nuances da graça. Alguém creu em Cristo como Senhor e Redentor? Há pessoas orando e serviço voluntário? O grupo permanece unido? Há doutrinação sólida – e esta tem sido absorvida a contento pela congregação? A Palavra tem sido pregada e os sacramentos recebidos com fé? Há quem se disponha a adorar ao Senhor? Há quem compartilhe com outros o evangelho? Há, porventura, enfermos que, a despeito de suas mazelas, continuam amando e crendo em Deus? Não seria isso milagre? Não seriam essas coisas sinais do Espírito Santo? Não seria a mera existência e subsistência da igreja motivo suficiente para prosseguirmos crendo, amando e adorando?
Sim, problemas sem dúvida existem e sempre existirão. A cada semestre uma ou outra área da vida eclesiástica exigirá intervenções e ajustes. Isso é simplesmente a evidência de que a igreja é um organismo vivo e não há organismo que permaneça no pico máximo de energia e desempenho, todos os segundos, minutos, horas, dias e semanas de um ano. Isso nos motiva a dependermos de Deus y(misticismo bíblico), a aperfeiçoarmos os processos administrativos (burocracia equilibrada) e a refinarmos o pastoreio dentro do contexto do sacerdócio universal dos santos (ministério pastoral eficaz).
Se isso é assim, quais devem ser as prioridades do líder eficaz e fiel? O que, de fato, é fundamental para a liderança?
Prioridades do líder fiel
A primeira prioridade do líder é caminhar diariamente com Deus, em fidelidade (Gn 17.1; 1Co 4.1-2). Ademais, essa caminhada é pontuada pela crença na providência, que produz uma suave convicção de que Deus é o proprietário e condutor da igreja e que, segundo os mistérios de seu decreto, em alguns tempos e ocasiões a igreja caminhará bem e, em outras, mal. Sem isso não há possibilidade de saúde ministerial. A partir de então é pertinente focalizar a atenção em alguns comportamentos e ações.
- Trabalhar a fim de manter uma medida mínima de saúde da igreja. Como afirmei alhures, não há nesta terra, antes da glorificação, igreja cem por cento saudável. Uma pessoa é considerada saudável quando consegue lidar com as rotinas e responsabilidades da vida, a despeito de enfermidades periódicas. Líderes fiéis precisam zelar para manter a igreja adorando, evangelizando, discipulando, amando e servindo. Isso é feito quando os cristãos são ajudados a compreender e desfrutar dos recursos do evangelho. Tal tarefa envolve ainda a proteção do rebanho dos falsos ensinos e práticas.
- Incentivar os crentes a servir ao Senhor. Os cristãos que conhecem e experimentam o evangelho são chamados a engajar-se nas tarefas do reino. Líderes fiéis interagem com os crentes ao ponto de deixá-los prontos para o serviço que precede o crescimento (Jo 15.16). Biblicamente, o crescimento natural da igreja resulta de boa doutrinação, pastoreio amoroso, vivência fraterna e trabalho voluntário alegre (Sl 100.1-2; Ef 4.11-16).
- Liderar e liberar. Na igreja Deus é o centro; não o pastor. Todos, inclusive os pastores, são servos guiados pelo Espírito ao e pelo evangelho. Um bom líder revela-se após sua morte ou saída do campo. Ele preparou outros líderes? Enquanto ele liderou ele liberou a igreja para trabalhar? Liderar é comandar (este é o sentido contido em peithō, a palavra grega traduzida por “guias” em Hebreus 13.7, 17 e 24), mas não apenas isso. Biblicamente, liderar é capacitar (ajudar os crentes a fazer aquilo para o que foram criados. Este é o sentido de katartismos, a palavra grega traduzida por “aperfeiçoamento” em Efésios 4.12). Isso implica em liberar os discípulos para que estes trabalhem e, por fim, supervisionar os resultados e refinar o ensino motivador (Lc 10.1-20). Líderes lideram ao mesmo tempo em que liberam.
- Liderar para a unidade. O exercício bíblico da liderança produz um corpo unido, que cresce nos termos de Efésios 4.11-16. A igreja amadurecida pelo trabalho do líder fiel produz seu próprio aumento em amor.
Especialmente a questão da manutenção da unidade implica em três coisas. Primeiro, colaborar com unidade confessional e legal-denominacional. O líder fiel conduz a igreja a alinhar-se aos padrões doutrinários e práticas da Bíblia, dos documentos doutrinários confessionais e das decisões conciliares.
Neste ponto não cabe divergência; biblicidade, confessionalidade e legalidade são três fios do cordão da unidade da fé. Se desconsideramos a confessionalidade ou a legalidade em favor de uma pretensa biblicidade, o que se assumimos, de fato, é um ministério de “fios soltos”. Estabelece-se um distanciamento desnecessário entre “nós” (a igreja local) e “eles” (a liderança denominacional). Perdemos a motivação de trabalhar nos moldes estabelecidos por nossa estrutura e passamos a culpá-la pela inoperância, falhas ou quaisquer defeitos encontrados na denominação.
Segundo, líderes tem de cuidar para não confundir zelo com impaciência e iluminação com excentricidade. Usar a posição de liderança para fazer prevalecer sua própria vontade é desonesto e blasfemo. Um líder deve permanecer calado se não tem convicção de que seu encaminhamento é bíblico, confessional, legal e, portanto, orientado por Deus e, por conseguinte, benéfico à igreja. Isso é fundamental para a manutenção da unidade.
Terceiro, se o líder atentar para os dois aspectos anteriormente colocados, ele precisa conduzir o rebanho com autoridade. Isso significa ordenar ao povo que “marche” e lidar com as oposições com determinação (Êx 14.15-16; 1Tm 4.11; 2Tm 2.24-26). O mesmo Espírito concede “conselho” e “fortaleza”, de modo que o líder, na comunhão com o Senhor, firmado nas Escrituras, orientado pela sã doutrina e em harmonia com as leis da igreja, deve exercer lidança firme e forte, para o bem da igreja e a glória de Deus. Sem isso a unidade se esfacela, com a igreja partida em ideias e procedimentos dissonantes e contraproducentes.
Conclusão
Este texto não propõe nenhuma mágica para a resolução dos problemas eclesiásticos. Estou convencido, no entanto, de que as questões sem solução da igreja não são resolvidas isoladamente pelas propostas mística, burocrática ou clerical. Sugiro que a necessidade crônica de muitas igrejas é uma visão e prática corretas do que seja a igreja, o serviço do reino e a liderança cristã.
Parece ser esse o ideal da Escritura: Líderes de fé, imbuídos de convicções verdadeiramente bíblicas, eficazes na nutrição, cuidado e capacitação do rebanho de Deus; igrejas saudáveis que servem ao Senhor com alegria e “efetuam o seu próprio aumento, em amor” (Ef 4.16).
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