As exigências para a liderança espiritual são altíssimas e, na opinião de Bill Hybels, é “mais fácil liderar em uma empresa do que em uma igreja”. Isso porque em algumas comunidades, assume-se um modelo de liderança que extrapola as referências da Palavra de Deus.
Para muitos, o líder cristão deve ser eficiente em administração e logística, culto, excelente em didática e oratória, criativo, modelo de devoção, conciliador, dono de energia inesgotável e disponível a todos, em todo o tempo. Ele precisa saber lidar com críticas e cobranças, pois o diabo, acusador, às vezes perde em eficácia para alguns crentes de língua comprida. Ao mesmo tempo, ele deve ser brando ao identificar e cobrar as falhas de seus liderados, reconhecendo suas dificuldades pessoais. Ele precisa ser discreto com relação aos problemas de seus liderados ao mesmo tempo em que não possui privacidade. Sua existência pessoal e familiar tornam-se referenciais de “perfeição” comunitária. E enquanto faz isso, ele mostra-se bem-humorado e motivador, sempre.
Segundo Eugene B. Habecker, o líder cristão precisa atender a nove tarefas, quais sejam, prever as metas, reforçar os valores, motivar, administrar, conquistar unidade, explicar, atuar como símbolo, representar o grupo e renovar. Uau, bonito de ser dito, mas virtualmente impossível de ser plenamente obtido, pelo menos deste lado da vida.
Contrariando tais orientações tecnicistas, para o Senhor Jesus, especialista em liderança espiritual, liderar exige obediência ao chamado, abnegação e amor.
Liderar na igreja é um privilégio — uma graça concedida por vocação divina. Jesus chamou aos apóstolos, homens simples, limitados e, pasmem, possuidores de defeitos. Ele os chamou e estes o seguiram. Aqui começa a verdadeira liderança espiritual, no atendimento do chamado de Jesus (Mateus 4.18-22). Na verdade, este é o selo da liderança espiritual: o líder é alguém vocacionado por Cristo: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Romanos 1.1).
Ao mesmo tempo, trata-se de uma graça assustadora. Ninguém lidera por iniciativa humana e, se formos verificar alguns exemplos da Escritura, servos de Deus conscientes relutaram antes de aceitarem conduzir o povo (Êxodo 3-4; Jeremias 1.4-10). A alteração no ritmo das batidas do coração, o suor frio, a secura na garganta, os argumentos contrários à aceitação de um cargo, o frio na espinha — tudo isso são reações mais do que normais de uma pessoa que tem seu nome indicado para uma candidatura, em uma eleição da igreja. A ideia de que os vocacionados atendem prontamente ao chamado divino não possui base segura na Escritura.
O líder lidera para Deus, disposto a sofrer perdas pessoais. Ao contrário do modelo mundano, que apresenta o líder como aquele que detém status e poder, Jesus define princípios de liderança baseados em abnegação e serviço sacrificial (Marcos 10.42-45). Na igreja de Cristo, os presbíteros (docentes e regentes) são servos, os diáconos são servos, os líderes de sociedades internas e grupos familiares são servos e os coordenadores de ministérios são servos. Todos com a mesmíssima dignidade e todos dando o melhor de si mesmos para o reino de Cristo.
Neste contexto, liderar implica em fazer o melhor possível, com espírito de abnegação. Deus não exige perfeição, mas a consagração do melhor. Foi assim que ele usou os patriarcas, Moisés e Josué, os juízes, os reis, os profetas, os apóstolos e os primeiros líderes da igreja — todos homens falhos, limitados, no dizer de Nietzsche, “humanos, demasiadamente humanos”, para o cumprimento de seus propósitos. Mas eles faziam o melhor que podiam, e Deus honrou os seus esforços.
Confesso que considerei difícil admitir isso. Ao assumir o pastorado da igreja, buscava uma comunidade de qualidade total, com margem de erro zero, tal como em uma empresa secular. Hoje me alegro quando vejo um líder apresentar um trabalho falho, mas desenvolvido com o máximo de seu empenho e vejo que a igreja é comunidade de graça, construída a partir do envolvimento voluntário de seus membros e não uma organização voltada para o lucro material.
Essa caminhada de liderança é impossível sem amor. Cristo, modelo de liderança, amou a igreja ao ponto de entregar-se por ela (Efésios 5.25). Tal amor, mesmo que não seja percebido por alguns, deve estar presente em tudo o que o líder faz. Estou falando de amor incondicional, que mantém-se ativo a despeito de críticas, oposições e mal-entendidos. Aliás, é este amor — a Deus e aos irmãos — que produz a motivação para o trabalho.
Eis o líder cristão: uma pessoa vocacionada, que realiza seu trabalho com abnegação e amor; alguém que possui falhas e problemas que impedem a experiência de absoluta perfeição, mas que está disposto a continuar servindo, fazendo o melhor possível.
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