Irmãos, servos e separados

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O que são os pastores para as igrejas? Como o pastor deve enxergar-se dentro de um corpo local de cristãos? Tais perguntas podem ser respondidas diferentemente, dependendo da denominação. Em alguns sistemas de governo eclesiástico o pastor é o ministro vitalício, vinculado à igreja local até a sua morte. Em outros, o pastor é literalmente o proprietário da igreja, aquele que concebeu-a estrategicamente, registrou-a e assumiu o posto de executivo principal, ad infinitum. Nas igrejas presbiterianas do Brasil o ministro é membro do presbitério, vinculado não ao corpo de crentes, mas ao concílio imediatamente superior à igreja local. Isso confere ao ministério algumas singularidades. Há vantagens e perigos que precisam ser reconhecidos e devidamente administrados, a fim de assegurar a saúde emocional e espiritual do ministro e do rebanho de Deus.

Nesse contexto, pastores são irmãos. O Senhor Jesus não se envergonha de nos chamar de irmãos (Hb 2.11). Parece que alguns pastores têm essa dificuldade. O pastor é um irmão entre irmãos, ele não é superior aos outros membros da igreja, não se distancia como se fosse diferente. Ama e deixa-se amar, estabelece amizades, relaciona-se em profundidade. Pastoreia e deixa-se pastorear; precisa ser admoestado, corrigido, ajudado em sua caminhada cristã. Nesses termos, a primeira instância de pastoreio de um pastor é o seu conselho e sua comunidade local. É assim porque o pastor é, primeiramente, um cristão e os cristãos são aperfeiçoados na disciplina do corpo de Cristo, que é a igreja local. Com humildade e alegria, o ministro de Deus presta contas de sua vida espiritual e caminha junto do povo de Deus, em saudável mutualidade. Esse é o primeiro ponto a ser destacado. Pastores que não aceitam isso tornam-se defensivos quanto à igreja, isolam-se e correm o risco de enxergar a relação eclesiástica como campo de batalha. Igrejas que não compreendem isso tendem a considerar seus pastores como semideuses. Os ministros são tidos por ungidos intocáveis, possuidores de um status diferenciado: pastores não têm medo, não sentem-se fracos na fé, não se deprimem, não se angustiam, não são abalados pelos revezes da vida, não precisam ser visitados, não precisam ser apoiados. Pastores são fontes inesgotáveis de recursos espirituais, invulneráveis, perpetuamente poderosos e obrigatoriamente perfeitos em todas as virtudes cristãs. Isso não termina bem, nem para a igreja, nem para o pastor.

Além disso, pastores são servos. O Senhor Jesus declarou que veio para servir (Mc 10.45). Alguns pastores, porém, desejam ser servidos. Isso não é consciente, mas o resultado natural de uma mentalidade empresarial que cada vez mais encontra espaço no meio eclesiástico. A igreja é um negócio, os membros da igreja são clientes, os acionistas da igreja são os membros do conselho e o presidente da empresa é o pastor. Como bom executivo, ele deve cuidar para que os acionistas e clientes estejam satisfeitos. Por outro lado, como responsável pelo sucesso do empreendimento, ele deve ser bem remunerado e mimado com premiações de toda espécie. Ele deve ser assessorado e absolutamente obedecido, jamais questionado. Ele é o gênio por detrás dos últimos lucros obtidos.

Para tais líderes, as pessoas são meios para determinados fins. Eles não se preocupam, de fato, com o rebanho. Têm coisas mais importantes com as quais lidar. São estrelas em ascensão, personalidades com brilho próprio. Isso é trágico para a igreja e para o pastor. Igrejas jamais devem lidar com seus ministros em termos empresariais, pois igrejas são o corpo de Cristo. Ministros jamais devem lidar com suas igrejas como se fossem executivos ou altos funcionários da organização, pois são servos entre servos. Foram chamados para rebaixar-se e servir aos outros, à semelhança do seu Redentor. Igrejas são comunidades de servos, esse é o segundo ponto.

Por último, pastores são separados. O Senhor Jesus, amigo e servo, teve de administrar a solidão da liderança (Mt 26.40). Por mais que um pastor seja amigo e servo, ele sempre será “o outro”. Ele sempre será aquele que está aqui mas não é daqui. A igreja, para o pastor, não é um lar, mas um campo, um lugar de estadia e serviço provisório. É claro que o pastor luta para nutrir e supervisionar a Igreja do Senhor, mas, no corpo local, ele sente que nunca trabalha por sua igreja, mas pela igreja dos outros. Ele é um mordomo temporário, alguém que passa enquanto a igreja permanece. Ele é, queira ou não queira, um alienígena. Uma das evidências disso é que um pastor não pode fazer planos de longo prazo, não pode sonhar em estabelecer-se definitivamente em uma comunidade. Ele sempre está mas não é. Ele é amigo e servo mas, em um sentido muito especial, está sempre sozinho. Um pastor é avaliado — consciente ou inconscientemente — em termos de seu desempenho como obreiro remunerado. “Ele é pago para estar conosco, tem de atender a algumas expectativas”. Quando ele não for mais útil, quando não atender mais às expectativas porque está desgastado, desanimado ou simplesmente envelhecido, deve ser substituído, rapidamente, para o bem da igreja.

Destarte, do ponto de vista humano e funcional, pastores são instrumentos, ferramentas, peças. Têm valor enquanto são úteis. Pastores não são da igrejas, mas dos presbitérios. Os presbitérios têm de lidar com eles quando não servem mais para as igrejas. Estão gastos, perderam o brilho, precisam ser trocados.

Esse último parágrafo pode soar amargo, mas trata-se de realidade bíblica. Moisés morreu sozinho em um monte e ninguém sequer descobriu onde seu corpo foi sepultado (Dt 34.1-6). O Senhor Jesus foi pregado à cruz enquanto os discípulos dispersavam-se, amedrontados (Mt 26.31). João Calvino morreu pobre e doente e foi enterrado em uma vala comum do cemitério de Genebra. Essa é a singularidade do ministério cristão bíblico. Ele não é uma carreira como outras, não promete glórias ou fortunas materiais. O consolo, auxílio fiel e reconhecimento de um pastor são dados unicamente por Deus (At 23.11). Um pastor encontra em Deus sua motivação e seu colo de lágrimas (Mt 26.39-44). Ele ama os cristãos como um irmão, um pai e uma mãe, ao mesmo tempo em que sabe que foi chamado para o desprezo e a injúria, à semelhança de seu Senhor e dos santos apóstolos (Gl 4.19; 1Ts 2.7-8, 11-12; 2Tm 4.9-11). Somente no Altíssimo ele encontra sua alegria e rica provisão. Deus lhe concederá a “imarcescível coroa da glória”, no último dia (2Tm 4.7-9; 1Pe 5.4).

Então, o que são os pastores para as igrejas? Eles são irmãos e servos, mas também são diferentes. Como o pastor deve enxergar-se dentro de um corpo local de cristãos? Como um cristão entre cristãos, como servo de todos, mas também como líder espiritual, separado para um múnus diferenciado, responsabilizado pelo bem-estar do rebanho, um pastor, um líder. Ao mesmo tempo, como líder que passa, que é peregrino, temporário. Todos esses papéis devem ser desempenhados com humildade, coração alegre, espírito grato, intenso zelo pela causa do Senhor e amor incondicional pelas pessoas pastoreadas. No equilíbrio entre esses três aspectos encontra-se o segredo da saúde eclesiástica e pastoral.

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Respostas

  1. Avatar de Pr. Ricardo Lima
    Pr. Ricardo Lima

    Graça e Paz amado irmão Misael;

    Excelente mensagem a que foi postada aqui. Eu procurava no Google pela expressão “saúde eclesiástica” e, note, ela está na última linha. Vi que existe da parte de sua igreja um grande interesse em mostrar o papel de um pastor.

    Eu tenho um chamado pastoral na região do Guarujá – SP, e aqui quis servir ao Senhor, mas infelizmente a visão não era a mesma que você trouxe à luz das Escrituras.

    Notoriamente alguns pastores assumem suas igrejas com um protecionismo excessivo, vindo a não somente abandonar Moisés, mas enterrá-lo ao sol.

    Graça e Paz

  2. Avatar de admin
    admin

    Olá Pr. Ricardo;

    na verdade eu é que tenho o interesse de informar a Igreja sobre esses temas. Ao meu ver, o desconhecimento desses assuntos produz elevado desgaste nas relações entre pastor, conselho e membresia em geral.

    Infelizmente o que o irmão escreveu é verdadeiro. Precisamos orar e interagir uns com os outros com base na Palavra de Deus, a fim de tentar ao menos minorar esse problema. Acima de tudo, precisamos ser sobrenaturalmente supridos com fé, graça e amor.

    Rev. Misael.

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